25 de novembro de 2004

Luz de Conforto

Chama-se "vida cigana", mas também se poderia chamar outra coisa qualquer, acreditem é que, na voz de Rosana Melo é divina.

oh meu amor, não fique triste
saudade existe pra quem sabe ter
minha vida cigana me afastou de você
por algum tempo
eu vou ter que viver por aí
longe de você, longe do teu carinho
e do teu olhar
que me acompanha, tem muito tempo
penso em você a cada momento
sou água de rio que vai para o mar
sou nuvem nova que vem pra molhar
essa noiva que é você
para mim você é linda
a dona do meu coração
que bate tanto quando te vê
é a verdade que me faz viver
meu coração bate tanto quando te vê
é a verdade que me faz viver.

Creio que o faroleiro a baptizaria de "Luz de Conforto"


23 de novembro de 2004

Sonho de Voar

Quero voar!
Voar livre entre o céu e a terra
Pisar o chão à distância
Percorrer a auto-estrada azul do sonho
Beber a água da vida nas nuvens
Deixar-me embalar nos braços meigos e fortes do vento
Perder os dedos nas suaves linhas do teu corpo de mulher
Deixar as mãos acariciar a tua pele
Arrepiada de paixão
Pousar os lábios nos teus
E soprar delicadamente à tua alma
Sentimentos de uma vida diferente
Um sonho moldado em palavras
Simples, doces, quentes e amigas
Escritas por duas línguas que se tocam
Se envolvem e se amam
Reflexo de duas almas unidas
Na natural comunhão de amor...


22 de novembro de 2004

Luz de Nevoeiro

Perguntava uma das minhas musas inspiradoras, verdadeira resistente neste farol que já viu muitas embarcações arribarem e levantar âncora sem um adeus sentido; se tinha ido de férias ou estava a ficar preguiçoso.

Tentei responder directamente nos comentários, mas depois de ter escrito e apagado, uma dezena de vezes, um conjunto de letras em forma de palavras, mas sem mensagem digna do nome, resolvi escrever e abrir a cortina de névoa que envolve o farol.

O facto de não acender o farol não quer dizer que a luz tenha abandonado o farol, nem tão pouco se deve há falta de vontade de manter acesa esta luz, que anima os ecrãs de alguns de vocês.

As histórias estão ali guardadas num cantinho deste farol, guardadas em lâmpadas multicolores que quero substituir diariamente para que, vocês, possam também ver com quantas cores se faz a vida e o sonho.

Todavia (palavra estranha esta, lembra-me sempre a cotovia) esta luz é afectada pelo nevoeiro, tal como o mar tem as suas marés, uma altas e outro menos altas, e é precisamente numa destas últimas que se encontra agora banhada a Luz do Farol.

Com uma intensidade semelhante às ondas dos mares tropicais a luz continua lá, apenas tem outra intensidade, uma limpidez mais frágil. Se quiserem uma imagem, diria que a intensidade do farol é semelhante à luz que vos chega numa quente noite de verão sem luar, onde os trilhos na areia são visíveis apenas com o brilho distante das estrelas que trespassa sem resistência um céu azul celeste, mesmo de noite.

Resta pois esperar...

... que a Luz do Farol volte a rodar na palma da minha mão, à velocidade do pensamento sonhador de um faroleiro solitário.




(O seu a seu dono. Imagem de Pintex.)

P.S. Um Beijinho Isabel.


19 de novembro de 2004

Alma Nova

Reparei hoje que já não acendo o farol desde dia 16. Não me sinto confortável. Um farol deve ser fiável, seguro, forte como uma rocha, imutável como o tempo que não pára. Deve estar lá sempre, devemos sentir que ele está lá, mesmo que não o necessitemos, é a bóia ou o colete que esperamos nunca ter vestir, mas que queremos que esteja sempre ali, bem à vista.

Por outro lado tenho aqui num cantinho da minha mente a continuação da história do “encontro”. Pelo menos mais dois capítulo já estão prontinhos a sair, mas ainda não houve aquele momento de descontracção, aquilo a que alguns chamariam um momento zen, para colocar na tela a continuação daquela história, que algo me diz ainda tem muito para dar.

Acho que necessito uma alma nova, como diz a canção.

Uma alma nova para cantar, para sonhar, para sorrir e rir, para gritar, uma alma nova para me encantar, para amar, no fundo uma alma nova para viver.

Acho que necessito de uma alma em branco que possa reescrever desde o início pois esta minha já não existe espaço para continuar a fazer correcções, de tanto escrever e riscar. Sabem, há momentos em que apesar de sabermos que há “coisas” são mesmo assim, queremos acreditar com força que podem ser diferentes. Claro que vocês não estão a perceber nada, mas eu “explico” melhor, e talvez, no fim, fiquem a perceber o mesmo, ou quem sabe, talvez não…

Todos sabemos que “tudo” tem um preço (o tudo está entre aspas, pois parece que ainda há algo que não é transaccionável e refiro-me claro está à vida, ou à morte, como preferirem). Sem divagações, vamos lá. O pior é quando nos apercebemos que afinal a história “reza” mesmo a verdade e tudo e todos têm um preço.

Perguntam vocês agora:

- Mas este “gajo” é tanso? Ele não sabe que é mesmo assim?
- Olha o anjinho!

Sei pois, sei como todos sabemos, embora tente com todas a forças acreditar, que as coisas podem ser diferentes e como tal me sinta sempre tentado a riscar esta frase da minha alma, tentando assim fazer escrever uma história diferente. Talvez viva num mundo de sonho, mas acreditem que tenho os pés bem sujos, de bem assentes que estão na terra, mas a cabeça, essa lá continua bem alta e quanto a isso, nada a fazer.

Mas afinal então porquê o espanto?

O espanto vem só por verificar que, tantos anos após a história das 25 moedas, chego à conclusão que hoje, por bem menos de 25 moedas se cometem actos da mesma espécie. Esperava eu que com tanta inflação hoje fossem necessárias bem mais de 25 moedas, mas o que vejo é com uma boa conversa, sem fundo de verdade como é óbvio para qualquer alma bem escrita, e ¼ de moeda se conseguem “maravilhas”.

E mais não digo.

Acho que preciso mesmo é de uma alma nova!



Para ilustrar este post escolhi estas duas fotos, acho que vocês percebem porquê.


P.S. prometo que logo que recupere deste estado continuo a história do encontro, afinal ainda não sabemos a quem telefonou Isabel.


16 de novembro de 2004

Histórias de Luz (O Faroleiro e a Lua)

Hoje, decidi escrever sobre este Farol. Vem tudo a propósito de uma conversa que mantive com um marinheiro de água doce, acerca da importância e relevância das luzinhas que se acendem no horizonte, mesmo não sabendo se alguém as vê.

Para começar, digo-vos que,

hoje vi a lua!

Tenho de confessar que apesar de ser faroleiro, tenho sempre muitas dúvidas em distinguir os humores da amiga lua. Todavia creio que desta feita, os seus maus humores estão a crescer. Claro que sei quando os seus humores atingiram o pico, aí teremos as marés vivas, isto é, quando ela está cheia de maus humores ou quando muda de humor.

Também vi as estrelas. Essas sim, as minhas luzinhas preferidas. Quando olho o céu em noite escura lembro sempre o fascínio da infância adulta por aqueles tectos que imitam o céu, com luzinhas a piscar. Lembram-me um universo em miniatura, finito e palpável, mais ao nosso alcance.

Bem, mas não era sobre isto que vos queria falar, não obstante ser muito importante que, hoje, logo hoje tenha visto a lua e as estrelas.

Quantos já olharam para o céu hoje?

Sim, é possível que muitos tenham olhado, mas quantos pararam para contemplar o céu?

Pois é, temos tanta coisa para fazer, tanto em que pensar, tanto em que, tanto para, tanto ainda, tanto… Tudo é tanto e tão importante, que acabamos por ter de fazer escolhas. Claro que uma escolha exige sempre uma eliminação, para os mais competitivos: um vencedor (o escolhido) e um vencido (o rejeitado).

Aqui entram os critérios. Para fazer a escolha é imprescindível ter um critério. Um juízo que seja o “acertado” ou justo, pelo menos, dadas as condições.

Mas afinal, que tem isto a ver com o farol e com a conversa?

Vem tudo a propósito, de que alguém me explicava porque motivo não lê o farol. Não é que não goste, para dizer a verdade até acha os textos “engraçados”, mas o problema é que são sempre, ou quase sempre tão longos e como tem pouco tempo, tem de fazer escolhas e então prefere outros “faróis” que têm textos mais curtos e mais “leves”.

Ora aqui estão dois bons critérios: tamanho e leveza.

Perguntam agora alguns de vocês, os meus leitores preferidos, aqueles que mais estimo, aqueles a quem chamo amigos:

O que tem isto a ver com a lua e as estrelas?

Tem tudo. A lua é só uma, mas está acompanhada por inúmeras estrelas, num longo, muito longo texto de luzinhas que parecem piscar mensagens em código Morse, aqui e além. Por mais que as tentemos contar achamos sempre que são demasiadas, mas ao mesmo tempo, aquela luz difusa que nos entra pelos olhos é uma luz leve, suave, uma luz meiga que nos acaricia a alma e nos fazer sentir a calma e a serenidade que o dia nos rouba.

Imaginem agora que a lua ou as estrelas paravam de brilhar apenas porque alguns não as vêem, porque são chatas, porque são muitas, porque aparecem aos montes todas as noites e desaparecem com o espreguiçar do sol, pela manhã. Porque é sempre a mesma rotina, dia após dia, dia após dia, dia após dia.

Bem, no fundo apenas vos queria dizer que é assim, luzinha a luzinha que se faz um céu estrelado, com uma lua mãe e muitas estrelinhas, elas que são a inspiração de muitos marinheiros e a salvação de tantos outros que nos seus dedos encontram o caminho para casa, ainda que alguns, muitos, tantos, não as consigam ou não queiram ver.

Por fim queria dizer-vos que,

Hoje vi a lua. Não estava sozinha, com ela estavam milhões de estrelas que beijei, uma a uma.



13 de novembro de 2004

Luz das Sombras

Entre as sombras do passado e os fantasmas do futuro me perco, me perco e não me encontro. Procuro um rumo, um caminho certo, uma pista bordada com luzes brilhantes para aí aterrar o meu sonho.
Ergo o olhar, almejo o infinito, mas continuo perdido, entre luzes baças de um futuro incerto e um passado feito em pó.
Culpo a luz!
Esta luz que me entra pelos olhos e não me deixa ver.
Esta luz que me cega, que me prende a um mundo escuro, mesquinho, traiçoeiro e negro.
Esta luz que não é vida, não é esperança, não é amor.
Esta luz que não é minha, esta luz que renego e expulso com veemência.
Esta luz que vai e volta, vai e volta, sem que a consiga expulsar de vez.

Mas não desisto. Amanhã será um novo dia e pode ser que traga com ele uma nova luz.


12 de novembro de 2004

O Encontro (Parte IV)

Entretanto Pedro permaneceu imóvel na cadeira. Com o olhar perdido no Outono que envolvia a janela, pensava naquele encontro. Curioso sem dúvida. Alguém que nunca vira, um simples acenar de mão, um café, uma conversa, uma saída apressada e uma luzinha de esperança a pisacr para um novo encontro.

Aquela parecia sem dúvida uma histórias de um livro, talvez mesmo um conto das “Histórias de um Faroleiro”, que Isabel adquirida no Resende, talvez mais uma história de faroleiro. Soltou uma discreta gargalhada ao ver-se como personagem de uma das suas próprias histórias. Mas ainda não estava convencido de que aquele encontro tivesse realmente acontecido, afinal poderia apenas mais um dos seus sonhos, das suas fantasias.

Focou a sua atenção na mesa onde ainda permaneciam duas chávenas. Eram sem dúvida cúmplices e testemunhas de algo, senão que fariam ali juntas? Elas eram a prova provada de que o seu sonho, a história daquele encontro extravasara a sua mente e a folha de papel, tantas vezes confidente do seu pensamento e companheira de uma solitária chávena de café.

Um som compassado ao longe despertou a sua atenção. Levantou o olhar em direcção ao idoso, que continuava com passo acelerado a perseguir o tempo e lembrou que fora ele o responsável pela partida de Isabel. Apeteceu-lhe atirar-lhe um insulto, mas depressa recobrou daquele momento de insanidade e com um sinal ao empregado decidiu que era hora de partir.

Lá fora a chuva desfalecera. Misturada com alguns raios de sol, tinha agora um ar mais jovial e alegre. Puxou o capuz do impermeável para o proteger dos raios molhados do sol e seguiu coaxando ao longo da rua, com o pensamento ligado ao olhar de Isabel, um olhar transparente, através do qual pode sentir uma alma doce, amargada pelo azedume de uma vida tantas vezes injusta e imperfeita.

Sem se aperceber acelerava o passo a cada metro, queria chegar a casa rapidamente.

Num instante estava colocado à porta do prédio onde habitava. Era uma casa pequena, com apenas dois andares. A fachada tinha cheiro ao século passado. Encravada entre dois prédios, um pouco mais altos, parecia a filha pequena sob a protecção dos progenitores. Possuia olhos bem grandes que permitiam alimentar de luz o mais exigente dos faroleiros e ao mesmo tempo conseguia-se vislumbrar o mundo todo através deles.

Abriu a porta e correu em direcção à escada em caracol por onde se acedia ao cimo do seu farol. O sótão era um espaço que tinha preparado especialmente para sonhar. No tecto, duas grandes janelas abertas ao céu convidavam os pensamentos a voar em direcção às estrelas. Noutro extremo uma porta dava acesso ao um pequeno varandim assente sobre o telhado. Pelas paredes, toneladas de livros faziam fila ordeiramente em metros de estante.

Ao fundo, em frente a uma janela redonda que lembrava a escotilha de um navio, não fossem os raios que a decoravam e o seu tamanho descomunalmente superior; repousava uma secretária. Esta suportava sem fatiga o computador e pilhas, e pilhas e pilhas de folhas que brincavam anarquicamente com alguns livros.

Sentou-se e ligou o computador. Na sua cabeça, a vontade de contar aquela história sobrepunha-se a todos os outros pensamento de forma arrebatadora.

Queria imortalizar aquele encontro, queria descreve-lo com todos os pormenores antes que o tempo, esse que tudo reduz a pó, reduzisse também a pequenas partículas, invisíveis, o monumento aos sentimentos simples que se erguera naquele encontro.

Entretando, Isabel descolara o olhar da janela e devorava agora com sofreguidão as "História de um Faroleiro". Do olhar daquele Faroleiro desprendia-se algum misticismo e certamente guardava algumas lendas e episódios apaixonantes no seu intímo.

Entretanto, Isabel descolara o olhar da janela e devorava agora com sofreguidão as "Histórias de um Faroleiro". Parou por momentos de ler e pensou que, do olhar daquele Faroleiro se desprendia algum misticismo e certamente, ele guardava algumas lendas e episódios apaixonantes no seu íntimo. O que mais a surpreendia e impressionava era o dom de contador de histórias daquele Faroleiro. Sentia que ele compreendia a alma do leitor sonhador. Sabia suspender o conto e agarrar o leitor aos sonhos, aqueles que comandam a vida, não a real, mas a ideal.

Posou o livro sobre o banco com a contracapa virada para cima, de forma a poder vê-la com clareza. Procurou na carteira o telemóvel e decidiu fazer uma chamada.

Tomara uma decisão e tinha de a comunicar quanto antes.


7 de novembro de 2004

O Encontro (Parte III)

(E foi aí, junto à montra da livraria, que a viu pela primeira vez, numa húmida manhã de Outono.)

Sem dizer mais pousou sobre a mesa o livro que adquirira ao “Resende” e tirou a gabardina salpicada de Outono que depositou com elegância e cuidado num cadeira vaga. Estava agora ela desfolhada à sua frente, tal como as árvores no Outono que deixam cair a capa e mostram sem pudor a seu interior, aquele em que se apoia a sua beleza exterior.

Ele, com um olhar terno e envergonhado não pode deixar de admirar a sensível silhueta inegavelmente feminina que ela transportava debaixo do manto que agora cobria a cadeira. Acordou repentinamente daquele estado contemplativo e pensou que teria de iniciar uma conversa. Mas qual? Como?

Começou por perguntar se ela queria um café. Ela com um elegante e discreto gesto expôs a sua concordância. Ele chamou o empregado e pediu dois cafés, longos. Depois olhou para o livro que ela tinha pousado sobre a mesa e logo soube como iniciar a conversa.

- Desculpe mas não sei o seu nome?

- Isabel. Respondeu ela.

- Pedro, muito prazer – disse ele, curvando ligeiramente a cabeça, ao que ela respondeu com igual delicadeza.

- Vejo que as “Histórias de um Faroleiro” lhe despertaram a atenção…

- Não até hoje. Mas esta ilustração na capa do livro tem algo que despertou em mim uma incompreensível vontade de o ler. Fez-me pensar que histórias terá um faroleiro solitário para contar? Quais os seus desejos? Que temerá ele? Como viverá?
Confesso que os faróis sempre me fascinaram, mas nunca tinha olhado para o faroleiro. Talvez tenha sido isso, o fascínio pelos faróis, que me levou a comprar o livro.
Oh, desculpe ainda não parei de falar…


- Não se preocupe Isabel, Posso trata-la assim?


- Claro Pedro?!


- Pois eu estava a ouvi-la com muita atenção e até talvez lhe possa responder a algumas dessas questões.


Nesse momento Pedro foi interrompido pelo empregado que depositava sobre a mesa dois cafés longos, com aspecto deliciosamente cremoso, a julgar pela espuma. Fumegavam intensamente, de tal modo que só de olhar para eles, uma pessoa era capaz de se queimar.

Quando o empregado se afastou, Isabel retomou a conversa.

- Estava a dizer-me que poderia responder a algumas questões…

- Sim posso, se estiver interessada.

- Não me diga que fui enganada??

- Como assim, disse Pedro muito intrigado.

- Na livraria, o senhor Resende garantiu-me que o livro acabara de ser lançado e que hoje até tinha chegado mais cedo para fazer a montra. Mas você parece já ter lido o livro...

- Penso que não a enganaram e para se sincero, ler, o que se diz ler, ainda não li o livro.

- Então é faroleiro?

Pedro, primeiro sorriu, mas acabou por lançar uma pequena gargalhada antes de responder.

- Bem, na verdade não. Mas também não é necessário ler o livro, nem ser faroleiro, para saber como é vida de um faroleiro.

À última afirmação dele, ela respondeu de forma muda, mas a luz da confusão iluminava de forma evidente a expressão da sua face. Pedro continuou.

- Queria saber que histórias tem um faroleiro para contar?
As mesmas histórias que tem a Isabel, ou eu, para contar. Cá no fundo todos somos um pouco faroleiros. Seres solitários que passam pela vida com uma candeia na mão deixando que outros vejam a nossa luz e se guiem por ela.


Isabel parecia cada vez mais espantada. Dos seus lábios impecável e discretamente pintados, apenas minúsculos movimentos, quase tremores denunciavam a sua vontade para dizer algo, mas ela nem sabia bem o que dizer. Pedro continuava.

- Já não me lembro de todas as suas questões…

- Vê como eu estava a falar demais, conseguiu ela articular.


- Mas recordo que tinha curiosidade em saber que temerá ele. Pois eu penso que ele teme o mesmo que tememos todos nós, Teme a escuridão.


Cada vez mais suspensa pelas palavras de Pedro, Isabel tinha o olhar preso nas palavras, verdadeiros desenhos de sentimentos que Pedro ia rabiscando com movimentos seguros e coordenados dos lábios.

- A escuridão?? Mas essa não é a razão da sua existência? Não deixar que a escuridão atinja os outros.

- Sim, de um acerta forma Isabel. É claro que a sua missão é garantir a luz dos marinheiros, mas não é essa "escuridão" que me refiro. A escuridão que o personagem desse livro, como tantos outros faroleiros teme, é a sombra da mesquinhez de sentimentos, a sombra da fome, a fome de sentir-se vivo, a sombra da morte, a morte dos sentimentos bonitos e sinceros que hoje parecem perder-se a cada esquina. Está a compreender?


- Sim estou a compreender.


Neste momento ela solta uma gargalhada e continua.

- Estou a perceber que me estava a enganar, pois já leu o livro. Ainda agora disse “o personagem desse livro”.

- Não Isabel, e vou utilizar uma palavra que marcou o início desta nossa conversa. Acreditedisse Pedro recalcando vocalmente a palavra – que não li, apenas acredito que essa personagem que conta as histórias nesse livro não é diferente de si ou de mim.

- Estou a ver... igual a tantas pessoas anónimas. Disse ela com uma expressão mista da gracejo e sensibilidade

- Já agora não querer dizer-me como acaba o livro?


E ao dizer isto pousou a mão sobre a capa, parecendo querer proteger o final do olhar penetrante de Pedro. Pedro esboçou um sorriso maroto e respondeu.

- Não… Tenho medo de acertar! – Acabou por dizer Pedro, terminando com um sorriso traquina. –

- Mas posso, se quiser autografar-lhe o livro. Assim, quando o ler, pode sempre lembrar-se deste Faroleiro.

Nesse momento o antigo relógio de pêndulo, sinal do passado glorioso da leitaria, anunciou a hora, a hora certa.

Isabel desconfiada da pontualidade de tão velho relógio olhou para o seu novo e brilhante relógio, confirmando que, apesar da idade aquele relógio continuava a manter a agilidade para correr ao mesmo ritmo dos mais jovens sem se atrasar. Agarrou na gabardina, a qual vestiu agilmente num único movimento, enquanto ia dizendo.

- Pedro, vou ter de ir, senão atraso-me para um compromisso. Foi um prazer falar consigo, talvez noutro dia me conte como termina a história deste faloreiro.

Enquanto isso levantava a mão em direcção ao empregado, quando foi travada por Pedro.

- Esqueça isso. O café foi uma oferta minha.

- Tem razão. Disse ela enquanto pegava no livro sobre a mesa.

Nesse momento ela estendeu a mão que ele pegou delicadamente. Após uns instantes de contacto intenso dos seus olhos que se beijaram em silêncio, ela rodou sobre si e avançou em direcção à porta. Pedro apenas teve tempo para lançar um “ – Voltaremos a ver-nos?

Ela parou, virou-se e respondeu.

- Não sei Pedro. Pensei que o seu faroleiro soubesse todas as respostas. Não me diga... a vida é feita de luzes e sombras e nunca sabemos qual se esconde ao virar da esquina. Teremos que esperar, pelo menos sabemos em que esquina está guardada esta Luz.

E Saiu. Pedro, que entretanto se tinha levantado, deixou-se cair inerte na cadeira tentando absorver as últimas palavras de Isabel, uma a uma, como quem saboreia um prato tentando perceber que adorável sabor é aquele que se esconde na amnésia das papilas gustativas.

Cá fora, com o guarda-chuva aberto, Isabel consegue chamar um Táxi. Já a caminho do seu destino, pensa naquele encontro, um encontro casual, mas nada banal. Surpresas da vida, pensou. Tentava perceber porque motivo tinha atravessado a rua e tomado café com alguém que não conhecia. Algo de estranho acontecera com ela naquela manhã. Lançou o olhar sobre o livro deitado sobre o banco e com um sorriso pensou: “Foi magia do farol!

Deitou a mão ao livro. Abriu a capa e no interior, na aba da capa de protecção viu que estava uma fotografia do autor e uma pequena nota biográfica que começou a ler. Repentinamente parou de ler e aproximou o livro dos seus olhos, para observar com atenção a fotografia.

Sem emitir qualquer som, riu espalhafatosamente de si própria. Deixou o olhar sair pela janela e um pensamento atingiu a sua mente como um raio de luz:

“Tinha feito todo o sentido que Pedro lhe tivesse autografado o livro.”



5 de novembro de 2004

O Encontro (Parte II)

E foi aí, junto à montra da livraria, que a viu pela primeira vez, numa húmida manhã de Outono.

Ela descia a rua, na verdade também podia subir, pois do interior da leitaria a rua parecia perfeitamente plana. Trazia um passo rápido e seguro, ao mesmo tempo descontraído, característico de alguém que pisa com segurança os caminhos da vida, todavia o que realmente o apaixonou foi o sorriso que vertia, não dos seus lábios, mas sim do seu olhar transparente.

Parou em frente à livraria. Apreciava a exposição de um livro recentemente lançado. De costas e por baixo do chapéu que a abrigada da chuva espreitava uma madeixa de cabelo castanho claro, ligeiramente ondulado. A gabardina guardava religiosamente dos seus olhos gulosos, uma visão de um perfil genuinamente feminino. Apenas conseguiu distinguir uns escassos centímetros de perna envolta numa meia preta brilhante, com um bordado que à distância não conseguia reconhecer e que depois se escondia caprichosamente no interior do sapato, prolongando o salto, já por si esbelto.

Enquanto na sua imaginação ganhava corpo a inspiração que procurara nesse passeio coaxante ao encontro do Outono frio e chuvoso, que lhe ceifara as remanescentes hastes da quente e fogosa inspiração de verão, ela desapareceu no interior da livraria. Na sua mente, um furacão de ideias começou soprar em todas as direcções. Parecia procurar uma saída, um caminho que o conduzisse em direcção à livraria.

Colocou as mãos a cada lado da cabeça, numa tentativa desesperada de controlar aquele turbilhão de desejos e medos. Lançou um novo olhar à livraria, mas os olhos não quiseram mais descolar da montra, por onde conseguia vislumbrar uma sombra, apenas uma sombra feminina que conversava com um “Resende”.

Momentos depois, ela surgiu à porta e os olhos dele colaram-se instantaneamente ao sorriso cativante e vivaz que os seus olhos transportavam. Ela, a coberto do chapéu lançou um olhar instintivo para a montra da “Nacional”, num encontro casual com os olhos dele. Impulsiva e inconscientemente ele levantou a mão num gesto de cumprimento, que rapidamente transformou num sinal de convite. Ela hesitou, mas após uns segundos respondeu com passos seguros em direcção à porta da leitaria.

Deixou o chapéu no antiquado suporte de bengalas da entrada, sinal de outros tempos e hábitos, e foi ao seu encontro. Ele levantou-se e imediatamente apresentou desculpas.

- Peço desculpa pelo meu descaramento. Imagino o que estará a pensar neste momento, mas acredite que a confundi com alguém que conheço…

Aquele doce e perturbador sorriso no seu olhar desafiava a cada instante a sua capacidade de manter uma postura racionalmente educada.

- Pois acredite o senhor que é a pior desculpa que ouvi em toda a minha vida para meter conversa comigo.

Dito isto, soltou uma discreta gargalhada, que provocou nele uma tremenda alergia, pelo menos a julgar pelo tom vermelho que cobria agora o rosto dele. Ainda a tentar restabelecer-se da doença súbita que o atingira, procuro agarrar-se à derradeira hipótese de conseguir estabelecer com ela um diálogo.

- Também quero acreditar que sim, mas como prémio de consolação, podia aceitar, pelo menos, tomar um café comigo. Acredite que vou tentar ser um pouco menos desajeitado e prometo não a contagiar com este meu jeito torpe.

Sem dizer nada, ela deixou o sorriso dos olhos descair ligeiramente para ir iluminar os lábios sensuais.


3 de novembro de 2004

A Partida da Luz

Uma luz que se apaga lentamente.
Uma luz que anoitece docemente, envolvendo em escuridão os olhos que eram a vida de outra vida.
Uma luz que se vai lentamente e eu a vê-la ir, sem forças para a agarrar.
Uma luz que se despede na gare da estação, que acena.
Uma Luz que parte num comboio com rumo definido, para mim desconhecido.
Uma luz que partiu e me deixou cego.
Uma luz que não volta, uma despedida definitiva.
Uma luz que espera, até que um dia eu me deixe abraçar pela escuridão e vá ter com ela.



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