15 de março de 2006

Coincidências... - Epílogo (VII)

Resolvi agora terminar uma história que comecei há bastante tempo, mais precisamente em Janeiro de 2005. Eu sei que passou bastante tempo e para a maioria estaria até já terminada, mas para mim, intimamente, senti sempre que aquela história merecia um final diferente.

Demorei bastante tempo, mais de um ano, mas não gosto de deixar assuntos a meio, e agora chegou o momento de a terminar. Refiro-me especificamente a duas vidas unidas por uma série de coincidências que, afinal, nunca o foram.

Podem consultar aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui os seis capítulos anteriores.

Atirou mais um pedaço de lenha para a lareira e espicaçou o lume. Estava impaciente, era notório na forma como avivava o lume que crepitava na lareira e aquecia o ambiente daquele final de tarde. A sua impaciência levou-o até a enorme porta que separava a sala da ampla varanda virada para o mar. Inspeccionou a estrada e os estacionamentos vizinhos à procura do carro dela. Azuis, vermelhos, pretos, brancos e até alguns cinzentos mas, infelizmente, todos de marca e modelo errado. Podia ser mais uma coincidência, mais uma de muitas que sempre os levara invariavelmente no mesmo sentido, em direcção à sua união. Riu ao lembrar as coincidências que nunca o tinham sido, pelo que, racionalmente, não compreendia o frio que sentiu no fundo do estômago quando confirmou a sua ausência. Olhou para o relógio. Estava atrasado na preparação do jantar. Atravessou a sala ambientada com uma luz delicada e suave e uma acolhedora música.

Dirigiu-se à sala anexa à minúscula cozinha onde inspeccionou a mesa, impecavelmente preparada para dois. Agarrou a garrafa de vinho que repousava centralmente sobre a mesa. Tinha agora uma delicada tarefa entre mãos para executar, uma operação quase cirúrgica. Levantou a garrafa que previamente tinha seleccionado cuidadosamente. Rodou a garrafa, colocou-a contra a luz verificando que era quase totalmente opaca. Dedicou-se em seguida ao trabalho de retirar a rolha que protegia o néctar da uva. Em honra da qualidade pensou que deveria decantar o conteúdo, contudo tal operação inviabilizaria o plano que tinha cuidadosamente preparado.

Já com a garrafa aberta procedeu então a desenvolver o plano. Retirou para um copo um pedaço de vinho, apreciou o bouquet e o sabor rodando o vinho na boca. Em seguida concentrou toda a sua atenção na operação que por momentos temeu desembocar em fracasso, receio que, felizmente, resultou infundado.

Terminada a operação colocou novamente a rolha na garrafa, restava-lhe apenas aguardar que ela chegasse. A sua impaciência levou-o novamente até à porta da varanda. As luzes da iluminação que rodeava a enseada pirilampavam na face da baia, contrastando com a luz branca das estrelas. As ruas vestidas com o amarelo que se espreguiçava dos candeeiros públicos permaneciam desertas para ele. Inspeccionou novamente os estacionamentos circundantes sem sucesso. Sentiu um leve aperto no peito, que rapidamente descomprimiu e voltou a comprimir quando a campainha da porta anunciou a presença de uma visita. Surpreso dirigiu-se à porta, e com espanto, verificou que afinal ela finalmente tinha chegado. Um momento de alívio e simultaneamente de nervosismo, quanto ao desfecho daquela noite, afinal não sabia como resultaria o seu plano.

- Olá! – Disse ela. Esboçando um sorriso leve e suficientemente sereno para dissipar todo o nervosismo que sentira ao abrir a porta.

– Estás aqui? Que coincidência, acabei de procurar o teu carro na rua e não o vi.

A simples referência à palavra coincidência motivou um sorriso em ambos.

- Não foi coincidência, simplesmente estacionei do outro lado.

Ele estendeu-lhe a mão convidando-a a entrar. Ela aceitou a oferta e sentiu-se puxada em direcção a ele, que, abraçando-a depositou um leve beijo nos seus lábios. Estava linda, a camisola branca e o minúsculo ganchinho que lhe prendia lateralmente o cabelo davam-lhe um ar simultaneamente simples, mas extremamente encantador e sedutor, tinha de confessar. Transpondo a porta, ela não pode deixar de notar e comentar o ambiente.

- Será uma coincidência ou a finalidade deste ambiente tão delicadamente doce é seduzir-me?

- Não, claro que não é! Até me ofendes com essa insinuação! – Disse ele, esboçando um sorriso atrevido.– Aliás, foste tu que me seduziste com aquela sucessão de acasos.

- Tu foste seduzido porque quiseste, meu lindo. Eu nunca te forcei a nada…

- Eu sei… e foi a mais feliz sucessão de coincidências que alguma vez me aconteceu.

Ela dirigiu-se à porta da varanda para apreciar o espectáculo do reflexo das luzes na superfície da baía e que espalhava pelo interior da sala.

- A viste de aqui é soberba. – Deixou escapar num tom de voz que denotava a emoção da felicidade que internamente a preenchia plenamente. Aproximando-se dela, ele permaneceu alguns instantes ali, parado, em silêncio, abraçando-a e inspirando toda a tranquilidade que aquela visão exalava.

- Vamos jantar? – Perguntou, por fim ele, quase em forma de afirmação.

- Sim, vamos… – Disse ela, com vontade de que pudessem jantar na varanda, apesar do frio que se fazia sentir no exterior.

- Não te importas de servir o vinho enquanto verifico a comida? – Questionou ele.

Rapidamente sumiu-se em direcção à cozinha, deixando-a a apreciar por mais uns instantes a maravilhosa vista. Momentos depois ela dirigiu-se por fim à mesa. Pegou na garrafa, deu alguma atenção ao rótulo e retirando a rolha começou a verter o seu conteúdo num copo. Quando acabou de servir os dois copos, um tilintar no interior da garrafa chamou a sua atenção. Colocou a garrafa contraluz e tentou determinar o que seria.

- Há algo dentro desta garrafa – Disse em voz alta em direcção à cozinha.

- Claro que há! – Respondeu ele.

– O vendedor garantiu-me que continha um vinho maravilhoso – Concluiu ele, soltando uma gargalhada.

- Não me refiro a isso, tonto. Há algo mais.

- Será mais alguma coincidência, daquelas que tu tanto gostas? – Replicou ele acompanhando a resposta de uma nova gargalhada.

– Queres um decantador? – Perguntou ele por fim.

- Sim é melhor. Gosto de ter confiança no que levo aos lábios.

- Assim como nos meus beijos… – disse ele aparecendo à porta com o decantador na mão.

Ela sorriu, pegou no decantador e voltou à mesa para transferir o vinho restante para o decantador. Pode então observar que no interior da garrafa estava um rolo de papel, provavelmente com uma mensagem. Com um esforço extra conseguiu retirar o papel cuidadosamente enrolado e preso com um pequeno anel dourado.

- Está aqui uma mensagem – Disse ela.

- Que coincidência! – Disse ele. – Abre-a, pode ser o mapa de um tesouro…

- Ela sorriu ao perceber que, mais uma vez, não havia qualquer coincidência.

Extraiu a mensagem do anel e com os dedos a tremer ligeiramente foi desenrolando a mensagem. Leu emocionada o conteúdo. Os olhos ficaram ligeiramente embaciados. No fim apenas disse:

- É claro que aceito. Não te parece que é uma coincidência que ambos desejemos o mesmo?

Simultaneamente tentou colocar no dedo o anel dourado que envolvia a mensagem, mas deu conta que era demasiado pequeno.

- Será também uma coincidência o facto deste anel não me servir um nenhum dedo? – Perguntou ela.

Aproximando-se por trás ele respondeu:

- Não, não é nenhuma coincidência. Como esperavas que conseguisse meter um anel maior dentro da garrafa? Mas este serve perfeitamente!

Ao dizer isto, estendeu-lhe a palma da mão com um delicado estojo em veludo negro. Lá dentro a última das coincidências. O anel encaixava na perfeição no dedo dela, assim como eles dois encaixavam um no outro.

Coincidência?


8 de março de 2006

Palavras

Palavras…

Doces que o tempo engole vorazmente sem necessidade, sem fome nem apetite.

A gula de um futuro que se quer rapidamente presente.

O esquecimento de um presente que já foi futuro, relegado agora ao esquecimento, (des)promovido a embaciado e longínquo passado.

Numa palavra…

Saudade!!

Palavras para quê?


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