4 de abril de 2007

O Caminho da Luz

A vida tem os seus caprichos e, mais uma vez mostrava o quanto podia ser cruel.

Pedro seguía pelo mesmo caminho que percorria todos os dias, que percorrera durante anos e anos a fio, Mas hoje esta caminhada tinha um sabor diferente. Pensava nas vezes que calcorreara aquelas ruas cego à beleza que lhe estendia os braços que invariavelmente pereciam de cansaço. Mas hoje, hoje era diferente. Queria abrir os braços e afagar calorosamente tudo à sua volta. Esquerda, direita, Norte, Sul, céu ou terra, que interessava, o importante era poder apreciar. Uma lágrima insonsa descia lentamente, queimando a pouca esperança que ainda resistia na pele murcha, desprovida do brilho característico da vida.

Tropeçou e por pouco não caiu. A muito custo conseguiu equilibrar-se. Se ao menos conseguísse equilibrar a sua vida como se equilibrara ao corpo. Mas equilibrar a vida parecia-lhe uma tarefa hercúlea. Tantos anos a viver desenfreadamente, sem nunca sentir o fel dos seus actos e agora, ter de beber a amargura toda de uma vez…que anedota.

Parou, sentia a forças escorrem-lhe pelo interior das veias. A vida derramava-se pelo chão e ele, impotente, nada podia fazer. Fora vítima da mão criminosa do fado, não da música, mas do destino, o mesmo que sempre julgou controlar.

A custo procurou abrigo no banco que sabia a seu lado. Com passos vacilantes, avizinhou-se do banco próximo e deixando ruir sobre ele as últimas esperanças de uma vida feliz. Espraiou o olhar sobre o horizonte e conseguiu pressentir no vento um perfume. Era um aroma conhecido, demasiado, até.

Tantas vezes o tinha sentido, tantas vezes o tinha desejado, tantas vezes o saboreara na frescura da manhã, tantas e tantas vezes, mas nunca como hoje, hoje aquele perfume queimava-lhe os pulmões, tão fundo que a sua alma parecia arder no fogo do abismo. O abismo que sentia abrir-se debaixo dos seus pés, naquele momento.

Inspirou profundamente mais uma vez, talvez aquele trago forte de fogo atiçasse o fogo que consumiria os últimos tições que ainda alimentavam a vida de um corpo moribundo. Uma lufada de ar gélido, inodoro penetrou nos seus pulmões, aniquilando a suas expectativas de um fim rápido e indolor.

Que dia aquele. Era o desespero total, tudo o que antecipara, todo o sonho estava desfeito, como a receita da doce sobremesa que alguém estraga propositadamente. Apetecia-lhe praguejar, gritar ofensas, injúrias, bofetear a vida, esquartejar a esperança e torturar a morte.

Um simples e singelo “Olá” pôs fim ao seu delírio.

- Como está? – dizia a voz suave e doce

- Como lhe parece? - disse ele.

- Parece-me que está de mal consigo, comigo, com a vida, com a morte, com tudo.

- Se lhe parece isso tudo, porque vem falar comigo. Por favor vá, vá e não volte.

- Desculpe, mas não vou! – disse ela segura.

- Presumo que esta seja a sua boa acção diária. Agradeço, mas dispenso. Mas não se preocupe, que se alguém me perguntar eu vou confirmar que fez a sua boa acção.

- Mas porque tem de ser tão casmurro. Se não tivesse sido tão cego durante meses, teria compreendido que não procuro uma boa acção.

- Então que procura? Consolar um pobre cego? Sim porque é isso que eu sou, cego. Não consigo ver. Hoje acordei cego, parece-lhe bem???

- Não, não me parece bem. E parece-me pior que tenha estado cego tantos anos, talvez agora que o destino o privou da vista, talvez agora consiga ver com os olhos do coração, o mesmo que coração que durante tanto tempo manteve cativo numa cegueira estúpida…

- Desculpe, mas quem é a senhora? Porque me fala assim? Não tem compaixão por um inválido. – Disse ele violentamente, enquanto virava o rosto em direcção a ela.

- Senhora não, menina, se faz favor. Não me reconhece? Sou aquela que, todos os dias se cruzava consigo nesta mesma rua. Aquela que lhe sorria todos os dias, mas que a sua cegueira impedia de ver. Sou aquela que lhe diagnosticou a cegueira, sou aquela que sempre esteve apaixonada por si desde o primeiro momento que estivemos juntos.

- Juntos? Mas nós nunca estivemos junto! – Reagiu ele.

- Estivemos sim, e por várias vezes, mas a sua cegueira apenas lhe permitia ver os sentimentos fúteis e efémeros, aqueles que o arremessavam em direcção a relações fáceis e rápidas no começo e no fim.

- Fala como se…

- Falo com a autoridade do conhecimento me dá. Nem no dia em que o consultei e lhe prognostiquei esta cegueira me reconheceu.

- E que quer agora? Que procura, a vingança fácil? É isso?

- Não, claro que não! Não seria capaz de fazer ao homem que Amo, que sempre Amei e sempre Amarei. Vinha dizer-lhe que talvez tenha uma solução para o seu caso, ainda que isso implique continuar mais cego do que está neste momento.

Nesse momento, ela levantou-se depositando na sua mão um papel com um nome e um número de telefone.

Pressentido a sua partida, Pedro gritou:

- Espere!!!

Mas não obteve resposta. Ela partira. Nesse momento chorou, magoado pela dor da cegueira de tantos anos, a escuridão que o privara de ver o Amor. Se ao menos pudesse… Tarde de mais.

Nesse momento sentiu-se acordar do pesadelo.

Uma combinação de sinapses, forneceu-lhe a resposta que antes não tinha encontrado. O perfume que antes lhe queimava as entranhas era o perfume dela. Ela que se cruzava, diariamente, com ele no seu trajecto diário para o trabalho. Agora compreendia porque o queimava. Abrasava-o o sentimento, ainda que não totalmente compreendido, de a perder para sempre.

Na verdade o seu pesadelo, era bem real e continuava cego, mas agora tinha uma justificação para lutar, para ver, ainda que fosse com os olhos do coração. E essa luz que agora brilhava no interior dos seus olhos chamava-se Amor.

Cego, cego… cego é aquele que apenas se deixa tocar pela sombra da luz que lhe entra pelos olhos.



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