Despertar de Sonho
Despertava lenta e tranquilamente de um bonito sonho. Ainda com os olhos fechados esticou vagarosamente o baço e foi percorrendo lentamente a cama procurando sinais do calor do sonho dessa noite. Ao mesmo tempo que tacteava detalhadamente o leito, o seu pensamento ia desenhando, de memória, na sua imaginação a figura de um corpo de homem que agora sentia conhecer integralmente.
Vagarosamente perscrutava os lençóis e sentia-se invadir pelo frio que transpirava do vazio que lhe entorpecia a esperança da felicidade plena e subtilmente ia apagando os, cada vez mais débeis, sinais de um arrebatador sonho a dois.
Por fim o frio acabou por desentorpecer o seu despertar. Abrindo definitivamente os olhos observou como a seu lado repousava sossegado o vazio, um vazio repleto de frio.
Enquanto retomava controle das suas capacidades físicas, meditou sobre a sua vida sentimental. Analisou como esta se transformara num caos, um caos controlado, mas, ainda assim, um caos. Na realidade a sua existência sentimental nunca fora muito fácil. Um coração caprichoso desde há muito teimava em lhe pregar partidas, levando-a por caminhos tortuosos e acidentados, como se ela fosse um todo-o-terreno.
Ponderou como seria bem mais fácil a vida se cada um pudesse escolher por quem se apaixonar, quem amar ou mais simplesmente gostar ou não gostar. Mas a vida, também ela extravagante, não era assim. Pensado detalhadamente mais lhe parecia que no seu caso o destino tinha uma aparência bastante mais traquina e teimosa.
Um destino por vezes era até cruel. Para que ela soubesse exactamente qual o caminho da felicidade, colocou-lho bem à sua frente, mas injusta e propositadamente colocou-lhe um sinal de sentido proibido, sugerindo-lhe que, “agora que sabes o destino, vai e procura um caminho…”.
Mas procurar porquê?
Afinal aquilo que procurava estava mesmo ali, à sua frente. Ele parecia que a conhecia demasiado bem, sentia que tinha o seu manual de instruções. Instintivamente sabia que botão tocar em cada situação. Praguejou violentamente
Afinal o sonho não passava disso mesmo, um sonho.
Nesse momento, sentiu como duas gotas de mar salgadas se preparavam para tomar de assalto o seu rosto, separando-se do oceano doce e calmo do seu olhar. Pareciam querer abrir caminho a um maremoto capaz de deixa à vista, na costa, sentimentos que há muito tinha sepultado no fundo do oceano da sua vida.
Procurou respirar fundo, conter aquela água que sinalizava a fúria de sentimentos oprimidos. Já mais calma daquele momento de fragilidade emocional, rodou suavemente e sentou-se na orla na cama. Pousou os pés no chão frio, que, contudo, lhe pareceu incomparavelmente e incompreensivelmente mais quente, que o frio que se desprendia do vazio da sua cama, momentos antes.
Puxou o roupão branco que repousava, estendido, sobre a cama e como ele abrigou a nudez natural que sensualmente vestia nessa manhã. Ergue-se e caminhou em direcção à luz indiscreta que persistia em atravessar o cortinado erguido em frente à porta da varanda.
Afastou ligeiramente o cortinado e observou como, lá fora, o dia recomeçava, indiferente aos seus sonhos e problemas, tristeza e sofrimento. Ainda bem que era assim, pensou. Bastava que esses pensamentos condicionassem a sua vida.
Por momentos deixou o seu olhar escapar com o pensamento através do vidro até os perder de vista no horizonte, num romântico passeio a dois, tão longe que as suas angústias não os conseguiam alcançar.
Estava bastante longe quando sentiu dois braços que lhe rodeavam a cintura, apertando-a ligeiramente e acariciando-lhe o ventre, ao mesmo tempo que um corpo se moldava à forma das suas costas. Semicerrou os olhos, ao sentir o suave beijo no pescoço. Um sussurro quase imperceptível ao ouvido arrancou-lhe um terno sorriso.
Nesse instante um caloroso raio de sol, atravessou o cortinado indo atingir certeiramente o seu coração que transbordou de calor. Então, rodando sobre si, colocou os braços à volta do pescoço dele. E sem emitir qualquer som disse-lhe apenas com movimento de lábios bem marcados, aquilo que sentia.
Ao ver o brilho dos olhos dele teve a certeza de que, o seu sonho, afinal nunca o tinha sido…
… pois era realidade.
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