Palavras de Amor e de Dor
As palavras eram…suaves, meigas, até doces, notava-se claramente que a sua escolha tinha sido cuidada e muito criteriosa, contudo ela senti-as cravarem-se-lhe na carne como se de espinhos se tratassem, pequenas agulhas cuja dor ultrapassa em muito a banal dor física. A dor começava a cada letra de cada palavra e crescia letra a letra até atingir o auge no golpe fatal da última letra, aquela que dava sentido à palavra. Depois um instante de descanso, no vazio do espaço até à palavra seguinte para a tortura recomeçar novamente.
Duas páginas, duas enormes páginas, eram o tamanho desta tortura, duas gigantescas páginas que lera e relera vezes sem conta, e que agora recordava na dor infinita da alma.
Agora que a tarde chegava ao fim, daquele banco na marginal da praia, olhava o sol, também ele vermelho de dor, a dor da partida. Começara a hora de ponta no areal. Toalhas ao vento libertavam a areia presa nas malhas do turco; Oh se fosse assim tão fácil libertar-se dos grãos de areia que cravados no seu coração a faziam sofrer.
Jovens trocavam os últimos beijos de amor em despedidas sentidas, mães vestiam as T’shirt’s às crianças, enquanto os pais arrumavam os objectos da brincadeira, para depois, todos em fila, vê-los partir pelos carris da linha por onde não circulavam comboios.
Aos poucos a praia ficava deserta. Ao longe apenas alguns enamorados resistiam, abraçados, aconchegados pelo calor das as toalhas olhavam o horizonte, onde lentamente o sol iam fazendo a corte à lua, para depois adormecer cansado do esforço. Um esforço em vão, pois nunca conseguira obter dela mais do que uma mão estendida e que ele nunca conseguira agarrar. Mas nem por isso desistira, não. Todos os dias repetia o ritual de estender a mão à lua, sabendo-se que esse gesto iria morrer como o do dia anterior… sozinho.
Às vezes deseja ser como o sol, forte, decidida e com a energia para dia após voltar a lutar, ainda que essa luta pudesse resultar em…nada.
Apetecia-lhe enfiar os pés na areia, sentir os ténues sopros de calor que emanavam da areia. Levantou-se lentamente e com passos lentos foi caminhando em direcção ao mar. Descalçou os mocassins e enterrou os pés na areia ainda quente se sentiu o calor percorre-la num tremor frio que lhe arrepiou a pele toda.
Duas lágrimas começaram a ganhar forma nos olhos castanhos, ternos e tristes. Aquelas lágrimas tinham acendido um brilho especial no seu olhar distante e melancólico.
Recompôs-se, passou ou dedos pelos olhos e com os mocassins na mão direita foi caminhando em direcção ao mar até sentir a areia húmida. Aproveitou a fronteira para se sentar, pousando cuidadosamente os sapatos à sua direita. Olhou o sol no horizonte e o magnifico reflexo do gigantesco espelho de água que se estendia à sua frente.
Um mar que parecia não ter limite, tal como a sua dor.
Encolheu as pernas aproximando-as do peito e com os abraços abraçou-as. O olhar continuava fixo no horizonte, alheio aos movimentos na praia, mas o pensamento, esse remava em direcção ao cais do seu porto de abrigo. Aumentou a força do abraço às suas pernas, procurando resgatar do naufrágio eminente o calor, a paz e segurança e o conforto dos braços que noutras viagens a tinham afagado de forma vigorosa, mas imensamente terna.
Na sua cabeça, duas palavras ocupavam o espaço que outrora pertencerá a milhares, milhões biliões de outras palavras, tanto espaço ocupado agora por apenas duas palavras: E agora?
Que seria da sua vida agora? Teria força para continuar, como o sol, a voltar a brilhar todos os dias para alegrar o mundo à sua volta?
Levou a mão direita ao cabelo castanho, longo. Alisou-o e sem dar conta, num acto reflexo, prendeu parte na orelha indo o restante, por trás da cabeça, repousar sobre o seu ombro esquerdo, deixando desprotegido a pele sensível do pescoço. A brisa do norte, fria, beijou-lhe o pescoço desnudo, provocando nela um ataque de choro. Recordou o gesto, aquele gesto era o preferido dele, prender-lhe o cabelo na orelha e beijar-lhe o pescoço.
Chorava agora compulsivamente, não fazendo qualquer esforço por conter o choro. Tinha a esperança que as lágrimas que agora rumavam em rios fartos de uma chuva intensa de sentimentos em direcção mar fossem capazes de varrer os grãos de dor que inundavam o seu coração.
As mãos cobriam agora o rosto, onde a dor tinha ganho o papel de protagonista. Levou a mão ao bolso, de onde retirou as folhas, as duas gigantescas folhas, repletas de palavras, palavras suaves, meigas, até doces. Jamais pensou que palavras tão ternas pudessem causar tamanha dor.
Enquanto mirava as folhas presas nos dedos, pensou nos momentos de felicidade, de paz e alegria delirante, quando sentia os seus dedos percorrerem-lhe delicadamente a pele macia, despertando-lhe os sentidos para uma excitação frenéticas de um turbilhão de sensações únicas e inesquecíveis.
Recordava como o olhar dele procurava incessante o seu, parecia querer prender-lho. Lembrava como ele gostava de mergulhar no seu olhar, e como ela fugia. O seu olhar era a porta de um mundo que era só seu, um jardim repleto de flores lindas e delicadas, demasiado delicadas para serem expostas ao um mundo cruel, frio e sem noção do valor dos sentimentos.
Abriu as folhas com a intenção de as voltar a ler, letra a letra, espinho a espinho, pétala a pétala, flor a flor, mas desistiu.
Ai se somente pudesse… se pudesse voltar atrás, teria aproveitado todos os minutos de prazer, todos os instantes que não se repetiriam, teria aproveitado cada segundo de prazer daquele amor que agora sabia ser fugaz, devorado pelo sanguinário tempo.
Abriu uma cova na areia, depositou nela as folhas, regou-as com o fruto da dor do seu amor que, partindo do cantos dos seus carinhosos atravessava a face que outrora ele acariciara. Aconchegou as folhas com areia, tampando por completo a pequena cova. Alisou a parte superior, e escreveu: “SAUDADE”.
Em seguida levantou-se, inspirou fundo deixando a humidade da brisa marítima preencher-lhe os pulmões e virando as costas ao mar e ao sol que entretanto quase desaparecera, partiu deixando na areia um rasto de lágrimas de amor que se recusavam a perder-se na areia e brilhariam eternamente à luz das estrelas,
...indicando o caminho do seu coração.
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