Coincidências (I)
A manhã estava fria. A brisa gelada cortava os pensamentos quentes que, no fundo da sua alma, procuravam abrigo do bafo frio em que tornara a sua vida.
Na praia não se via ninguém. Apenas ele e aqueles milhões de milhões de grãos de areia que sustinham o avanço do outras milhões de milhões de gotas de água. Como dois exércitos que brincam incansavelmente medindo forças, sem dor, sem ódio, sem ressentimentos.
O sol, debilitado pelo seu distanciamento, espreguiçava os primeiros raios que corriam pelo areal ainda húmido. Junto ao mar, a luz esbarrava nos restos de refeições mal digeridas e povoava o areal de sombras. Havia de tudo, restos de madeira, plásticos, vidros, redes, cordas, de tudo um pouco. Como a uma criança a quem o pais enfiam a comida na boca à força, também o mar cuspia aquela “papa” que incessantemente lhe tentavam enfiar pela boca.
Seguiu areal fora saboreando aquela dualidade de frio e calor proporcionada pela brisa fria que o mar arrastava e o calor que aquele sol, ainda que envergonhado, transportava em cada raio de luz que tocava cada pedaço da grossa parca azul.
Com o olhar fixo no horizonte longínquo do areal procurava focar o seu pensamento nos sentimentos que saltitavam na sua alma. Pareciam brincar de “esconde, esconde”. Pareciam muito nítidos, mas sempre que acendia um pequena luz para os poder contemplar melhor, Puff…, como por magia desvaneciam-se em sombras, em reflexos desfocados de sonhos que desejava ardentemente ter vivido.
Cansado daquela corrida atrás de sonhos que se desvanecem como por magia, resolveu sentar-se, ali mesmo, no areal. De frente para o mar, questionava filosoficamente a razão acerca das razões para aquelas questões, cujas respostas, também elas, não passam de uma miragem.
Subitamente foi atingido por um brilho intenso. Ao longe, no areal, algo brilhava intensamente à luz do sol, agora mais desperta e viva. Inicialmente não ligou, mas depois, a força da procura das razões para as questões que mais intensamente nos assolam a mente levou-o a levantar-se e a caminhar em direcção à luz. A medida que se aproximava o brilho diminuía. Quando finalmente se aproximou, ficou a olhar para ela, ali, sobre o areal, ligeiramente enterrada, mas ainda assim suficientemente descoberta para deixar antever a sua delgada e elegante silhueta.
O mar no seu balançar contínuo, banhava-lhe as costas descobertas. Com o pescoço levantando parecia pedir para a retirarem de ali. Primeiro hesitou, mas depois decididamente baixou-se e amparando-a com firmeza, arranco-as dos braços do areal.
Já na sua mão observou como tentava proteger das agruras e das tempestades, algo que a sua fértil imaginação jamais poderia sonhar.
Depois de um momento de reflexão, agarrou a garrafa com força e puxou a rolha que salvaguardava do tempo uma mensagem. Retirou com cuidado o papel que se aconchegava no seu interior. Posou com cuidado a garrafa no areal, sentou-se e desenrolou delicadamente o papel. A mensagem era curta e simples, mas continha mais uma daquelas questões cuja resposta se afigura complexa e pouco consensual.
"Eu não acredito em coincidências.
E tu acreditas?
Se acreditas que esta mensagem ter ido ter às tuas mãos não foi uma coincidência, mas sim um raio de luz que nos uniu, telefona-me 96……"
Assinado
“Brisa do luar”
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