19 de julho de 2007

Poema de Amor e Pele

A brisa fria da nortada varria a areia depositada pelos veraneantes na marginal. Os pés enfarinhados de areia foram matraqueando em coro as pedras da calçada portuguesa. Os grãos de areia bem se esforçavam por se agarrar à pele, por manter a sua ligação aos corpos dourados pelo sol, mas a golpes turcos de toalha, foram, um a um, perecendo, indo acabar agonizantes no pavimento.

Era triste aquela imagem da areia moribunda na calçada. Felizmente a nortada aparecera, fria e protectora e sopro após sopro, empurrava afectuosamente cada grão novo para a praia, para junto dos outros grãos, num gesto quase maternal.

Olhando profundamente o mar, inspirou longamente até não lhe caber mais ar nos pulmões. Reteve-o durante longos segundos, numa tentativa frágil de guardar dentro de si as memórias que nele se avivavam.

Mas sabia que era hora de partir. Contrariado foi libertando o ar lentamente, observando como se diluía nas memórias de tantas outras pessoas. Ajustou a camisola de algodão sobre os ombros, virou as costas ao mar e dirigiu-se para o pequeno descapotável estacionado junto à calçada.

O carro rodava já paralelo à marginal, descontraído, como alguém que vagueia apenas pelo simples prazer de passear. Mas era precisamente o contrário. Aquela calma aparente era resultado da agitação de sentimentos que o conduziam. A marginal acabara, à frente a estrada tornava-se mais estreita e sinuosa, não seria fácil transportar tão grande carga sentimental por tão exígua estrada. Inconscientemente aliviou a pressão sobre o acelerador. Ao longe vislumbrava já a silhueta do Farol da Boa Viagem. Uma dúvida pairava sobre a sua cabeça, uma incerteza que, nunca como agora, desejou manter inalterada. A incógnita de saber se ela estaria lá. Afinal tinham já passado alguns meses desde que se tinham visto pela última vez. Não muitos em quantidade mas colossais em dimensão, em afastamento. A aproximação fazia crescer nele o medo, o receio de uma viagem em vão. Na verdade nunca seria em vão, pois levaria dali uma resposta, talvez não fosse a esperada, mas não deixava de ser uma resposta.

A distância ia-se dissipando e a silhueta do farol crescia exponencialmente no cimo da falésia.

Chegara finalmente, e tal como temera, não estava lá ninguém. Olhou o relógio, o qual, apesar da sofisticação não possuía a responder à pergunta que fustigava a mente como uma tempestade marítima: Estaria ela atrasada, ou simplesmente não viria?

Saiu do carro e dirigiu-se ao pequeno miradouro por onde os olhos do farol miravam o oceano. Não era fácil estar ali sozinho. O farol tinha para ele um significado muito especial. A comunhão dele com o mar, a luta desigual que travava todas as noites com a cegueira, procurando levar luz aos olhos cansados dos marinheiros, a harmonia e a beleza daquele lugar fazia despontar nele um bem-estar, uma sensação de protecção e liberdade ao mesmo tempo, que nunca conseguira nem tentara explicar.

Mais um dia de verão que chegava ao fim. Ao longe, bem ao longe, o sol, naquela tarde de um tamanho descomunal partia numa viagem com regresso anunciando.

Desviou o olhar em direcção à estrada que serpenteava junto ao mar, e pareceu-lhe ver um carro que se aproximava. Sentiu o coração bater mais depressa, uma excitação infantil apoderou-se dele. Mais duas curvas e conseguiria identificar o carro. Casou o olhar com a estrada e segundos depois teve a certeza. As mãos começaram a suar, os dedos tremelicavam, do pensamento brotavam palavras com as atabalhoadamente tentava construir um discurso coerente para quando ela chegasse.

Voltou apressadamente para junto do seu carro. Ela estacionou ao em frente a si.

Elegante, com os cabelos a esvoaçar ao sabor do vento, dirigiu-se a ele. As várias frases que tão meticulosamente tinha preparado afundaram-se bruscamente naquele mar agitado de sentimentos rendidas à frase muda que ela tinha para ele. Dois braços, estendidos e abertos ofereciam um acolhimento impossível de recusar.

Eram o porto de abrigo um do outro! Unidos por um abraço só comparável em intensidade ao abraço da lapa à rocha, ele começou a murmurar palavras ao seu ouvido.

-Ohh! Pensei que não vinhas – Disse ele após alguns momentos.

- E eu pensei que tu não estivesses. – Disse-lhe ela.

- Como poderia não vir, não pensei noutra coisa desde que falámos.

- Eu também.

- Harmonia! – Disseram os dois em uníssono, libertando uma leve risada.

- Vamos entrar? – Perguntou ele.

- Não é possível… tu… conseguiste!? - Disse ela num misto de admiração e espanto.

- Sim consegui a chave do farol! – Exclamou ele, enquanto metia a mão no bolso, de onde saiu recheada com uma chave. – Vamos poder finalmente partilhar a sós o farol.

- Ela sorriu e sem dizer mais, libertou-se do abraço e puxando-o, guiou até à porta do farol.

Entraram em silêncio de mão dada, ela à frente. Seguiram directamente em direcção às escadas, alheios a tudo o resto. Subiram os inúmeros degraus que davam acesso ao varandim da lâmpada. Aí mais uma vez, olhando o horizonte profundo, entregaram-se um ao outro num abraço sereno.

Ele, afastando-lhe os longos cabelos, beijava-lhe suavemente o pescoço. Levantou ligeiramente a camisola dela, deixando os seus dedos deambularem à procura do calor que se desprendiam da pele suave. Tacteando foi percorrendo ternamente a pele que se arrepiava ao toque. Ao ouvido ia-lhe murmurando em silêncio sentimentos, tristezas que não ousava libertar.

Aquele era o seu momento, um daqueles raros momentos de eterna comunhão, um raro momento, um instante que iria ficar gravado neles para o resto da vida. Eram momentos como aqueles que davam vontade de agradecer a dádiva da vida, ainda sabendo que aquela alegria se iria desvanecer como uma névoa na alvorada de um novo dia, ou um novo instante.

Afastou-a ligeiramente de si, e mergulhando sem medo no seu olhar, sentiu o calor de um mar tropical. Aproximando-se ligeiramente pousou nos seus lábios um beijo, que ela recolheu carinhosamente.

Ambos sabia que aquele momento teria um fim, mas não queria pensar nisso, e entregavam-se de corpo e alma, bebendo cada instante como se fosse o último. E poderia bem ser. As suas vidas eram duas linhas paralelas, que por uma anomalia inexplicável do tempo e do espaço, que nem Einstein seria capaz de explicar, intersectaram-se num ponto da sua viagem pelo universo finito do tempo.

Agora restava-lhes espera pela inevitabilidade de outra anomalia voltar a separar as linhas das suas vidas. Havia contudo algo que já não teria solução. Ambos transportavam agora em si aqueles momentos tatuados no corpo na alma, e por mais que se afastassem as linhas das suas vidas, jamais, jamais se perderiam de vista, pelo menos até que a luz que iluminava cada um dos seus caminhos se extinguisse.

Ela beijou-lhe os olhos com o olhar e puxando-o para si, murmurou-lhe ao ouvido:

- My dear, Je T’Adore!

Ele permaneceu em silêncio, abraçado a ela e foi deslizando suavemente as mãos pelas costas dela. Pareciam movimentos erráticos, sem sentido, mas não eram.

Ela parecia não dar conta que, ele estava a tatuar uma mensagem na pele dela. Lentamente ia desenhando cada letra, uma a uma. Quando terminou de desenhar as letras deixou repousar as mãos na base das costas dela e beijou-lhe suavemente a face.

Enquanto aguardavam pelos desígnios supremos do tempo ou do espaço que os iriam separar, ela, elevando-se em bicos de pés, abraçou-o ainda mais fortemente, colou os lábios ao ouvido dele e sussurrou…

- Querido, eu também te Amo!


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