Poema de Amor e Pele
A brisa fria da nortada varria a areia depositada pelos veraneantes na marginal. Os pés enfarinhados de areia foram matraqueando em coro as pedras da calçada portuguesa. Os grãos de areia bem se esforçavam por se agarrar à pele, por manter a sua ligação aos corpos dourados pelo sol, mas a golpes turcos de toalha, foram, um a um, perecendo, indo acabar agonizantes no pavimento.
Era triste aquela imagem da areia moribunda na calçada. Felizmente a nortada aparecera, fria e protectora e sopro após sopro, empurrava afectuosamente cada grão novo para a praia, para junto dos outros grãos, num gesto quase maternal.
Olhando profundamente o mar, inspirou longamente até não lhe caber mais ar nos pulmões. Reteve-o durante longos segundos, numa tentativa frágil de guardar dentro de si as memórias que nele se avivavam.
Mas sabia que era hora de partir. Contrariado foi libertando o ar lentamente, observando como se diluía nas memórias de tantas outras pessoas. Ajustou a camisola de algodão sobre os ombros, virou as costas ao mar e dirigiu-se para o pequeno descapotável estacionado junto à calçada.
O carro rodava já paralelo à marginal, descontraído, como alguém que vagueia apenas pelo simples prazer de passear. Mas era precisamente o contrário. Aquela calma aparente era resultado da agitação de sentimentos que o conduziam. A marginal acabara, à frente a estrada tornava-se mais estreita e sinuosa, não seria fácil transportar tão grande carga sentimental por tão exígua estrada. Inconscientemente aliviou a pressão sobre o acelerador. Ao longe vislumbrava já a silhueta do Farol da Boa Viagem. Uma dúvida pairava sobre a sua cabeça, uma incerteza que, nunca como agora, desejou manter inalterada. A incógnita de saber se ela estaria lá. Afinal tinham já passado alguns meses desde que se tinham visto pela última vez. Não muitos em quantidade mas colossais em dimensão,
A distância ia-se dissipando e a silhueta do farol crescia exponencialmente no cimo da falésia.
Chegara finalmente, e tal como temera, não estava lá ninguém. Olhou o relógio, o qual, apesar da sofisticação não possuía a responder à pergunta que fustigava a mente como uma tempestade marítima: Estaria ela atrasada, ou simplesmente não viria?
Saiu do carro e dirigiu-se ao pequeno miradouro por onde os olhos do farol miravam o oceano. Não era fácil estar ali sozinho. O farol tinha para ele um significado muito especial. A comunhão dele com o mar, a luta desigual que travava todas as noites com a cegueira, procurando levar luz aos olhos cansados dos marinheiros, a harmonia e a beleza daquele lugar fazia despontar nele um bem-estar, uma sensação de protecção e liberdade ao mesmo tempo, que nunca conseguira nem tentara explicar.
Mais um dia de verão que chegava ao fim. Ao longe, bem ao longe, o sol, naquela tarde de um tamanho descomunal partia numa viagem com regresso anunciando.
Desviou o olhar em direcção à estrada que serpenteava junto ao mar, e pareceu-lhe ver um carro que se aproximava. Sentiu o coração bater mais depressa, uma excitação infantil apoderou-se dele. Mais duas curvas e conseguiria identificar o carro. Casou o olhar com a estrada e segundos depois teve a certeza. As mãos começaram a suar, os dedos tremelicavam, do pensamento brotavam palavras com as atabalhoadamente tentava construir um discurso coerente para quando ela chegasse.
Voltou apressadamente para junto do seu carro. Ela estacionou ao em frente a si.
Elegante, com os cabelos a esvoaçar ao sabor do vento, dirigiu-se a ele. As várias frases que tão meticulosamente tinha preparado afundaram-se bruscamente naquele mar agitado de sentimentos rendidas à frase muda que ela tinha para ele. Dois braços, estendidos e abertos ofereciam um acolhimento impossível de recusar.
-Ohh! Pensei que não vinhas – Disse ele após alguns momentos.
- E eu pensei que tu não estivesses. – Disse-lhe ela.
- Como poderia não vir, não pensei noutra coisa desde que falámos.
- Eu também.
- Harmonia! – Disseram os dois em uníssono, libertando uma leve risada.
- Vamos entrar? – Perguntou ele.
- Não é possível… tu… conseguiste!? - Disse ela num misto de admiração e espanto.
- Sim consegui a chave do farol! – Exclamou ele, enquanto metia a mão no bolso, de onde saiu recheada com uma chave. – Vamos poder finalmente partilhar a sós o farol.
- Ela sorriu e sem dizer mais, libertou-se do abraço e puxando-o, guiou até à porta do farol.
Entraram em silêncio de mão dada, ela à frente. Seguiram directamente em direcção às escadas, alheios a tudo o resto. Subiram os inúmeros degraus que davam acesso ao varandim da lâmpada. Aí mais uma vez, olhando o horizonte profundo, entregaram-se um ao outro num abraço sereno.
Ele, afastando-lhe os longos cabelos, beijava-lhe suavemente o pescoço. Levantou ligeiramente a camisola dela, deixando os seus dedos deambularem à procura do calor que se desprendiam da pele suave. Tacteando foi percorrendo ternamente a pele que se arrepiava ao toque. Ao ouvido ia-lhe murmurando em silêncio sentimentos, tristezas que não ousava libertar.
Aquele era o seu momento, um daqueles raros momentos de eterna comunhão, um raro momento, um instante que iria ficar gravado neles para o resto da vida. Eram momentos como aqueles que davam vontade de agradecer a dádiva da vida, ainda sabendo que aquela alegria se iria desvanecer como uma névoa na alvorada de um novo dia, ou um novo instante.
Afastou-a ligeiramente de si, e mergulhando sem medo no seu olhar, sentiu o calor de um mar tropical. Aproximando-se ligeiramente pousou nos seus lábios um beijo, que ela recolheu carinhosamente.
Ambos sabia que aquele momento teria um fim, mas não queria pensar nisso, e entregavam-se de corpo e alma, bebendo cada instante como se fosse o último. E poderia bem ser. As suas vidas eram duas linhas paralelas, que por uma anomalia inexplicável do tempo e do espaço, que nem Einstein seria capaz de explicar, intersectaram-se num ponto da sua viagem pelo universo finito do tempo.
Agora restava-lhes espera pela inevitabilidade de outra anomalia voltar a separar as linhas das suas vidas. Havia contudo algo que já não teria solução. Ambos transportavam agora em si aqueles momentos tatuados no corpo na alma, e por mais que se afastassem as linhas das suas vidas, jamais, jamais se perderiam de vista, pelo menos até que a luz que iluminava cada um dos seus caminhos se extinguisse.
Ela beijou-lhe os olhos com o olhar e puxando-o para si, murmurou-lhe ao ouvido:
- My dear, Je T’Adore!
Ele permaneceu em silêncio, abraçado a ela e foi deslizando suavemente as mãos pelas costas dela. Pareciam movimentos erráticos, sem sentido, mas não eram.
Ela parecia não dar conta que, ele estava a tatuar uma mensagem na pele dela. Lentamente ia desenhando cada letra, uma a uma. Quando terminou de desenhar as letras deixou repousar as mãos na base das costas dela e beijou-lhe suavemente a face.
Enquanto aguardavam pelos desígnios supremos do tempo ou do espaço que os iriam separar, ela, elevando-se em bicos de pés, abraçou-o ainda mais fortemente, colou os lábios ao ouvido dele e sussurrou…
- Querido, eu também te Amo!
0 Comentários:
Enviar um comentário
<< Home