28 de junho de 2004

Amanhã

Estava preocupado. As notícias que ouvia na rádio não eram animadoras. Os pseudo senhores do tempo insistiam na possibilidade de uma grande borrasca para essa noite, que poderia inclusive estender-se por todo o dia seguinte.

Levantou-se, tinha de confirmar a operacionalidade de todos os sistemas do farol. Verificou que no piso inferior todas as portas e janelas estavam convenientemente fechadas, depois foi confirmar os geradores, cujo arranque testou três vezes, olhou o nível de gasóleo nos tanques que alimentavam os geradores. Seguiu-se a confirmação das lâmpadas de reserva. Tudo confirmado, sentiu-se mais descansado. Subiu as longas escadas que conduziam ao cimo do farol. Abriu a porta do varandim, apoiou as mãos sobre a protecção de ferro pintada de vermelho e inspirou fundo. Era normalmente assim que confirmava as previsões meteorológicas.

Começava a escurecer. Fixou o olhar no horizonte à procura de sinais da apregoada tempestade, mas nada, apenas via uma calma e uma serenidade nos astros como há muito tempo não se recordava. Deu uma volta completa ao farol. De repente parou e observou um vulto que estava sentado num pequeno areal retirado, entre as escarpas das rochas. Sabia pelos longos anos de experiência no farol, que aquele areal só ficava visível quando a maré baixava excepcionalmente e era completamente inacessível a partir da costa. Procurou com a vista uma qualquer embarcação que pudesse ter conduzido até aquele recanto, verdadeiro refúgio, aquela pessoa, mas nada, não se vislumbrava qualquer embarcação.

Admirado com tão singular acontecimento, penetrou no farol, de onde voltou instantes depois, transportando na mão uns binóculos que eram usados para vigilância. Aumentando a sua capacidade visual, voltou a olhar o pequeno areal. Para seu espanto, a pessoa que pouco tempo atrás estava sentada naquele areal já lá não estava. Procurou ao longo do areal e no mar sinais da embarcação, mas sem sucesso.

Desiludido, baixou os binóculos acompanhados pelo olhar, num gesto de apatia e derrota. Mas algo o fez voltar a olhar e foi recompensado. Lá estava o vulto, agora sentado sobre uma rocha que ficara a descoberto com a baixa da maré, tal qual um ilha que se afirma no meio do mar. Rapidamente levou os binóculos aos olhos e observou a misteriosa pessoa.

Era linda, com cabelos molhados e ondulados como o mar. Ela pressentindo que estava a ser observada olhou directamente para ele. Sentiu o seu olhar atravessar as grossas lentes de vidro dos binóculos. Tinha uns olhos incrivelmente azuis e transparentes como o mar. Nesse instante ela sorriu, virou-se e deu um salto para a água, deixando atrás de si reflexos prateados e dourados, gerados pelo encontro entre os últimos raios de sol e a sua pele.

Tinha visto uma sereia!

Naquele momento e independentemente do que os senhores da meteorologia pudessem dizer, tinha a certeza absoluta que o dia seguinte seria um dia lindo.


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