1 de julho de 2004

Luz da Solidão

Um dia disseram-lhe que a sua solidão no farol era um "mecanismo de defesa subtil". Um mecanismo de defesa contra aquela dor que dói, mas não se sente, tantas vezes provocada por um fogo que arde, mas não se vê.

Aquelas palavras nunca mais lhe saíram da cabeça. Mas foi o nome do café do Sr. Manel que lhe avivou o profundo sentido daquela frase, ampliando uma dor contra a qual pensava estar protegido. Nunca pensou que a ameaça poderia vir da sua própria solidão no alto daquele farol. A mesma solidão que, sem ninguém ver, era agora uma dor difícil de explicar e controlar.

Queria desesperadamente deixar aquela solidão, desejava ardentemente tê-la nos seus braços, a Sereia que um dia tinha beijado, sentado numa rocha à beira-mar. Queria mergulhar nas ondas dos seus cabelos e refrescar-se no azul transparente dos seus olhos, para juntos partirem à descoberta de civilizações há muito perdidas, mas nunca esquecidas.

Mas o seu compromisso com os marinheiros que dependem da luz que todos os dias acende, para lentamente os conduzir na escuridão da descoberta de oceanos desconhecidos e nunca d'antes navegados e no fim lhes mostrar um porto de seguro, não lhe permitiam faze-lo.

No alto do seu farol estendeu o olhar sobre o horizonte, com ele uma mão, como quem procura tocar o azul do céu. Enquanto fazia isto, procurava uma luzinha que respondesse às suas dúvidas:

- Onde estás tu minha sereia?

- Porque te mostraste?

- Que escondes por baixo dessas escamas que te servem de protecção nesse mar tantas vezes cruel?

Reflectiu e decidiu que não poderia continuar a acender o farol, enquanto alguma luz não o orientasse a ele primeiro, pois naquele momento, ele estava bem mais necessitado da Luz de um Farol.


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