O Caso
Acordou subitamente e olhou para o relógio que imóvel marcava indolente o passar de um tempo, que teimava em se atrasar. Eram 5:30. Sentia no ar um cheiro que não era capaz de explicar, mas que reconheceu sem qualquer sombra de dúvida. Virou-se e pensou que deveria continuar a dormir, mas não era fácil, aquele odor invadia-lhe todos os sentidos, já não somente o olfacto. Finalmente conseguiu adormecer.
Acordou pela manhã com um estranho desejo de uma chávena de café. Não uma daquelas minimalistas que sabem sempre ao último trago de água para alguém que continua sedento. Queria uma grande chávena de café, daquele acabado de fazer.
Levantou-se sem demora, vestiu o que apanhou à mão, passou pela casa de banho de forma apressada e saiu. Sabia exactamente onde ir beber o desejado café. Em passo apressado lá se dirigiu ao snack-bar do Sr. Manel.
Era um típico café de praia, numa casa estilo vivenda, em que o rés-do-chão servia para o negócio da família, que habitava o primeiro andar. Parou em frente à escadaria que dava acesso à esplanada colocada em frente à entrada. Olhou o toldo branco com traços verdes e o característico triângulo com letras ao centro que inconfundivelmente remetia para uma marca de café. No meio em letras pretas, lá estava o nome "S N A C K - B A R O C A S O".
No mínimo era um nome sugestivo. Nunca tinha reparado no singular nome do snack-bar do Sr. Manel. Mas aquele também não era um dia singular, a seu despertar nocturno, o odor que teimava em apoderar-se dos seus sentidos e aquele desejo de café.
Parou a pensar porque nunca tinha ele tido um caso. Aquela vida de faroleiro era muito solitária. Todas as noite e enviar luzinhas que tanta gente via, mas nenhuma respondia. Talvez fosse isso mesmo, quem quereria ter um caso com um faroleiro que vive como um eremita, acendendo luzinhas que guiam? Seria essa a sua sina, acender luzinhas a que ninguém responde?
Desejava ardentemente um caso, mas não um caso qualquer, queria um caso de Amor, daqueles que inspiram livros e duram uma eternidade. Afastou estes pensamentos e lá entrou.
Deitou um olhar pelos clientes dessas manhã. Junto ao vidro um casal, visivelmente apaixonado trocava carícias enquanto repartiam uma torrada, que alternadamente, um colocava na boca do outro. Numa mesa mais afastada, um grupo de surfistas, procurava nos ovos mexidos com bacon a energia e a gordura necessária para contrariar a força e a temperatura do mar naquela manhã, invulgarmente fria, para um final de primavera. Mais dois ou três locais tomavam um "mata-bicho" que os ajudava a suportar a crua realidade da vida no mar.
Sentou-se ao balcão e pediu ao Sr. Manel uma daquelas chávenas de café que só ele lhe sabia servir. Lançou um olhar cruzado e indiscreto pelo canto do olho sobre o casal sentado junto ao vidro. Foi novamente assaltado pelo nome do bar "O C A S O". Delirou sozinho durante vários minutos sobre o seu significado, os seus desejos e a sua vida solitária no farol. Foi acordado pela frase do Sr. Manel:
- Então mais uma noite complicada no farol?
- Nem por isso! - respondeu ele.
Aquele Sr. Manel, não era homem de muitas palavras, mas conhecia exactamente os gostos e os problemas dos seus clientes habituais, o que lhe conferia uma espécie de ligação umbilical com todos eles.
Saboreou o café amargo e quente, e voltou a concentra-se no nome do café. Estava notoriamente intrigado. Porque motivo teria o Manel colocado aquele nome ao café?
Teria ele um grande caso de amor?
Perturbado por aquela dúvida decidiu questionar directamente o Sr. Manel:
- O Sr. Manel vai-me desculpar, mas estava a pensar no nome do seu estabelecimento procurava-lhe algum significado...
- Muitos já o fizeram antes, homem! Não tem nada de pedir desculpa. Já apreciou a vista do pôr-do-sol sobre o mar a partir da esplanada exterior? É algo inconfundível e inesquecível. Por isso coloquei o nome de "OCASO" ao café.
Compreendeu por fim que afinal o nome do Snack-bar não era "O CASO" mas sim, "OCASO", em honra àquele fenómeno que acontece todos os dias quando o sol e a lua trocam de lugar.
Deu uma forte gargalhada enquanto tomava consciência de como a sua luz interior o tinha levado a ler aquilo que desejava ler.
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