29 de julho de 2004

A Solução

Ao apelo de Francisco sobre possíveis soluções, choveram na igreja ideias.

- Vamos cortar uma estrada!

- Podemos fazer uma greve!

- Talvez chamar a televisão, as rádios e os jornais!

- Podemos fazer uma manifestação em frente à Câmara, ou melhor, em frente ao Governo Civil!

- Nada disso o melhor é mesmo em frente ao Ministério, assim ouvem-nos de certeza!
Francisco acalmou os ânimos daquela gente,

- Calma amigos, calma, todas as vossas ideias são boas, mas temos de ter algum cuidado, pois o tema é delicado. Como vamos dizer a pessoas cegas que estamos a defender o amor de um Faroleiro com uma Sereia, quando eles não acreditam?

Nesse momento irrompe pela igreja a voz do desbocado João Areias,

- Temos de arranjar uma sereia para mostrar a esses descrentes, talvez seja melhor ir-mos todos à pesca.

No final riu, enquanto toda a igreja permaneceu em silêncio. Sentindo o gélido olhar que sobre ele se abateu como uma onda, baixou os olhos que enterrou no chão com tal violência que poder-se-ia jurar que chegou ao outro lado do globo.

Francisco tomou a palavra para dizer,

- Bem, não creio que essa seja a solução, mas...

Nesse momento parou para ouvir uma criança que na primeira fila insistia em dizer algo à sua mãe, que ocupada com na conversa não lhe prestava atenção. Francisco desceu do púlpito e chegou junto da criança, enquanto a igreja toda se calava, expectante do acto do Presidente da Junta.

Quando chegou junto da criança, Francisco perguntou-lhe tão delicadamente quando pode,

- Que estavas a tentar dizer à tua mãe, diz-me...

- Eu também vi uma sereia! - disse a criança em toda a sua inocência.

Nesse momento um brilho intenso surgiu nos olhos de Francisco. Lembrou a conversa durante a caminhada entre o Ocaso e o hotel com o Júlio e o Carlinhos. O Carlinhos também tinha dito aquilo, que vira uma sereia. Era isso. Estava ali a sua solução.

Voltou para o púlpito e com o brilho do seu olhar a iluminar toda a igreja comunicou,

- As palavras desta criança, o comentário do João e uma conversa com o Carlos e o Júlio lembraram-me que o importante é fazer acreditar. Esta criança acredita que viu uma sereia, o Carlos também, e todos vós acreditais, porque eu, embora sem a ver, também acredito, por isso temos de fazer os senhores do Ministério acreditar, essa é a solução.
Proponho que todos os presentes nesta sala, a título individual envie uma carta ao Ministério a informar que avistaram uma sereia aqui na nossa costa.
Quem se atreverá a duvidar da palavra de um povo inteiro?

Do fundo da sala alguém grita,

- Os cegos do Ministério.

Francisco sem perder a calma, logo responde,

- Até pode ser verdade, mas alguém tem uma ideia melhor?

A resposta foi avassaladora.

- Não!

Francisco deu a reunião por terminada e as pessoas começaram a sair da igreja.

Reparou ainda que ao fundo um senhor elegante, bem vestido, com roupa desportiva, de uma marca com motivos náuticos, tomava notas para um pequeno caderninho que segurava com uma das mãos. Aquela cara não se era desconhecida, mas não o conseguia enquadrar num espaço ou tempo especifico.

Durante a sua observação aproximou-se dele Dª Pilar que trazia pela mão a neta. Chegando junto dele, disse-lhe,

- Francisco, meu filho, eu sempre soube que você era uma boa alma e este gesto seu é muito importante para o amor daqueles dois.

Muito emocionada, continuou a falar,

- E olhe que lho diz alguém que teve de abandonar o mar há muitos anos, por amor.

Nesse momento olhando a face emocionada de Dª Pilar, Francisco comoveu-se e da sua vista esquerda uma lágrima iniciou uma caminhada em direcção ao chão.
Dª Pilar fez-lhe sinal para se baixar e com mão limpou-lhe a lágrima que apressava seguia o seu destino. Depois inclinando-lhe o rosto deu-lhe um beijo na face enquanto lhe agarrava uma das mãos.

Seguidamente, virou-se e na companhia da sua neta partiu pelo corredor central da igreja em direcção à rua. Francisco sentiu algo na sua mão. Abriu a mão e na sua palma, viu um cristal com a lágrima que momentos antes escorria pela sua cara, encerrada no seu interior. Era precisamente igual aos cristais que o seu amigo Faroleiro guardava com tanta devoção.

Levantou os olhos em direcção ao corredor central. Dª Pilar parou ao sentir o seu olhar tocar-lhe as costas, virou a cabeça para ele e com um sorriso piscou-lhe um olho.

Nesse momento Francisco percebeu a sensibilidade das suas palavras à entrada do mercado dias atrás, a sua afirmação daquele dia e o amor que a sua filha nutria pelo mar, era tudo uma questão genética, afinal ela era também uma criatura do mar.

Guardou com cuidado aquela preciosidade e saiu da igreja sentido que a luz o tinha tocado.


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