24 de julho de 2004

A Noite

Beberam os finos e comeram os caracóis, que serviram como um aperitivo para o jantar. Conversaram da terra, das guerras políticas e pouco mais.

Depois levantaram-se, Francisco foi pagar e partiram em direcção ao hotel. Pelo caminho, Francisco decide perguntar a Carlinhos a sua opinião sobre a história do Faroleiro.

- Então Carlos, diga-me lá o que pensa você desta história do nosso Faroleiro? Já ouviu falar, não ouviu.

- Já Sr. Presidente. É uma história muito bonita.

Júlio, decide entrar na conversa perguntando:

- Mas ó Carlinhos, tu acreditas que ele viu mesmo uma Sereia e que esta o visita?

- É claro que sim, eu também já vi uma!

Nesse momento nasce um sorriso na cara de Francisco e uma gargalhada sonora sai disparada da boca de Júlio.

Francisco não se contém e diz a Júlio.

- Ora Júlio, aqui tem você a prova que lhe faltava. O Carlos já viu uma. Aqui tem você alguém que vê com os olhos da alma, seu descrente.

Júlio não desarma e volta a inquirir Carlinhos.

- Então Carlinhos, descreve-nos lá a tua Sereia, como era ela?

- Ela linda - responde ele - tinha os cabelos loiros e os olhos azuis, aquele azul da piscina do hotel do Sr. Presidente.

- E onde a viu? - Continuava Júlio.

- Foi aqui mesmo na vila. Via duas vezes. A primeira foi no restaurante da praça, o do Sr. Joaquim Candeias. Fui lá fazer um recado e ela estava lá a almoçar com um grupo.

- E a segunda?

- Bem a segunda foi num dia de muito calor. Em andava pela praia e cruzei-me com ela que me perguntou as horas. Foi a única vez estive verdadeiramente perto dela.

Neste momento Júlio solta mais uma gargalhada, enquanto Francisco esboça um sorriso carinhoso.

- Afinal aqui a Sereia do Carlinhos tinha duas pernas! - Diz Júlio entre gargalhadas - Estás a ver como era a Sereia do nosso Carlinhos, Francisco!

Francisco sem perder o sorriso, apenas lhe diz.

- E quem lhe garante a ti que não era mesmo uma Sereia, Júlio. As sereias podem tomar muitas formas, que lho diga eu que encontrei a minha quando menos esperava. Pelo menos para Carlos era uma Sereia e isso é o que importa.

Seguiram caminho, Júlio continuava a rir enquanto Carlinhos repetia:

- Eu vi-a Sr. Presidente, era mesmo uma Sereia, era, era!

Chegados ao hotel foram ocupar uma mesa na esplanada. O final da tarde chegara, e o céu pintava-se agora de vários tons, laranja, amarelo, azul, branco e mais cinzento, ao longe, por força de uma nuvens que ameaçavam aproximar-se da costa.

Era lindo aquele pôr-do-sol, parecia querer coroar de glória aquele final de dia, um dia especial para Francisco, pois tinha visto aquilo que nenhum homem, bem, à excepção do seu amigo Faroleiro, com quem agora partilhava um segredo, tinha visto. Aquela história tinha-lhe aberto os olhos da almas e agora que tinha visto a luz, não queria jamais fechar-lhe os olhos.

Enquanto os três jantavam na esplanada do hotel, o Faroleiro, olhava o céu impaciente. Esperava desesperadamente a noite, queria enviar o sinal à sua sereia. Tinha de saber como estava ela. Aquele encontro fugaz da noite anterior tinha-o deixado perturbado. Como estaria ela a reagir à terrível notícia?

Lembrou que naquela noite estaria Lua Cheia e coincidiria com o período da praia-mar. O mar agitado fazia antever o perigo de marés vivas mais fortes do que o normal.

Depois de considerar todos estes elementos, escolheu o local para o encontro, seria a praia dos namorados. O relevo da costa e as rochas submersas formavam naquela praia uma pequena baía em forma de coração. A princípio chamaram-lhe praia do amor, mas a elevada frequência de casais de namorados originou uma mudança para praia dos namorados.

Aquele seria o local ideal, pensou, pois as rochas que formavam a baía protegeriam a sua sereia da força das marés vivas.

Ali ficou sentado à espera. Ao longe o sol teimava em não recolher os últimos raios que atrapalhavam a chegada da noite. Finalmente o último raio de luz morre no horizonte e a noite pode finalmente abraçar o farol. Levantou-se e freneticamente começa a emitir a sequência de sinais que indicaria à sua Sereia o local do encontro.

Desceu a escadaria da torre do farol, comeu e preparou tudo para a sua partida. Revisou e assegurou-se que os equipamentos do farol, que entrariam em funcionamento automaticamente em caso de emergência, estavam todos operacionais. Não podia arriscar uma falha naquele momento, seria o fim da sua carreira como faroleiro.

Antes de sair ainda subiu a torre do farol até ao varandim do topo, de onde repetiu os sinais, por segurança.

Desceu, vestiu a roupa adequada e partiu em direcção à praia dos namorados. Desceu a escadaria em madeira que dava acesso ao areal da praia. Admirou a noite e o mar que como o previsto estava muito agitado, as marés vivas estavam particularmente altas e violentas.

Sentou-se na areia e esperou pela chegada da sua amada Sereia. Preencheu a sua espera com pensamentos sobre o futuro, um futuro de felicidade com a sua Sereia, naquela costa que ambos adoravam. Encontrou soluções para o problema da carta, todas impossíveis mas tão desejadas.

O tempo passava e não avistava nenhum sinal da sua Sereia. Olhou o relógio. Já era tarde, nunca ela tinha vindo tão tarde. Perguntava-se se lhe tinha acontecido algo. Levantou-se e aproximou-se da água, procurando esticar o olhar em direcção ao mar em busca de um sinal dela.
Nada! Não havia qualquer sinal. Desesperado afastou-se da água e foi sentar-se novamente no areal. Enterrou a cabeça entre os joelhos e ali permaneceu.

Já a noite ameaçava abrir os braços e libertar o farol do longo abraço que tinha iniciado com a partida do sol, quando levantou a cabeça e decidiu voltar para o farol. A sua passagem ficou um trilho formado por pés que se arrastavam ao longo do areal em direcção à escada.

Quando se preparava para abrir a porta do farol, o primeiro raio de sol trespassou o azul do céu dizendo: bom-dia!

Entrou no farol, dirigiu-se ao quarto e caiu inerte sobre a cama, onde adormeceu entre convulsões de choro, sem que nenhuma luz o iluminasse.


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