18 de julho de 2004

A Luz da Esperança

De repente, outro pensamento atravessa-lhe o pensamento como um carro veloz. Tinha de revelar aquela triste notícia à sua sereia. Mas como iria ela reagir a tão inesperado acontecimento? - pensou.
 
Teria de aguardar a noite e então enviar-lhe aquele sinal especial que ambos tinham combinado para que ela viesse ao seu encontro, protegida pelo manto escudo da noite, tal édredon que o protegia, a ele, nas noites frias. Assim seguros a coberto daquele édredon poderiam por fim revelar-lhe a notícia.

Entretanto, a notícia da partida do faroleiro espalhava-se na pequena vila, ao ritmo da distribuição do correio dessa manhã. O espanto era generalizado e as opiniões diversas.

- Não, não pode ser! Um homem tão sério e tão bom. Nunca houve qualquer problema desde que cá está na terra.

- Sempre me pareceu que este faroleiro escondia algo, sempre sozinho no farol, cheguei a pensar outras coisas...

- Nunca me pareceu homem para essas insanidades. Sempre que me cruzo com ele cumprimenta-me com muito respeito.

- Era um bom companheiro para as cartas, vou sentir a falta dele.

- Eu sempre disse que aquele trabalho no farol era capaz de dar com qualquer um em doido, mas que é uma pena é , era tão atraente...

Este último comentário tinha sido proferido por Maria. Apesar de ser bastante atractiva, Maria era solteira, embora já não tivesses idade para isso. O seu relógio biológico à muito tinha dado as badaladas mais audíveis, mas caprichos da vida tinham ditado a sua sorte.
 
Quando o faroleiro chegou, o seu coração começou a bater com outro ritmo e sonoridade, mas infelizmente para ela, ele nunca lhe entregou o seu olhar com o sentido que ela desejava. De vez em quando, ela fazia longos passeios que a levavam junto do farol, na expectativa de poder falar com ele e talvez, quem sabe....

Nesse dia ninguém viu o faroleiro pela vila. Oprimido sobre tão grande peso, estava sentado no varandim, no ponto mais alto do farol a olhar o mar, aquele mar onde sabia estar a sua felicidade, mas que agora teria de abandonar.

Pensamentos obscuros nublavam-se a razão. A demissão poderia ser uma solução. Ainda pensou entregar-se ao mar. Talvez este o aceita-se e assim viveria para sempre com a sua sereia. Pensou ainda em escrever uma carta aos senhores do ministério, talvez até contar-lhes a história de um Principezinho, ou quem sabe, esfregar-lhes a "fuça" naquele extracto de texto de Sophia, onde o Rapaz de Bronze responde a Florinda.

Mas de que adiantaria, a decisão estava tomada, esta gente é demasiado senhora de si para dar o braço a torcer e admitir que se enganaram. Para eles, qualquer derrota é uma vitória, compreendem sempre os sinais e as mensagens que lhes querem enviar e prometem no futuro fazer melhor. É sempre assim. Há quem lhe chame orgulho, ele preferia chamar-lhe estupidez.
 
A sua preocupação agora era como dar aquela notícia à sua sereia. Estava a imaginar os seus olhos transparentes carregados de água que tentaria a todo custo deter para não tornar intensificar o sentimentos de um momento, já por si doloroso.

O pôr-do-sol aproximava-se, com ele os derradeiros minutos de reflexão que ainda lhe restavam antes de enviar o sinal. Por momentos a beleza daquele instante fê-lo abstrair-se dos pensamentos negativos que lhe dominavam o pensamento e um vulto de mulher tomou vida nos seus olhos e com um bonito sorriso, meigo e doce, disse-lhe:

- Nunca percas a esperança faroleiro, que o dia tem a noite e a noite tem o dia e nós ainda teremos muitos pela frente.

Aquelas palavras, cujo alcance total não conseguia abarcar, ecoaram longamente no seu ouvido. Uma sensação de paz e esperança invadia-o lentamente e sem perceber o porquê, a esperança tomava conta do espaço que pouco tempo antes era ocupado pela dor e raiva.
 
Tinha sido atingido pela Luz da Esperança.



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