Os Livros
Sentado na esplanada, estrategicamente plantada sobre as douradas e quentes areias da praia saboreava uma refrescante imperial enquanto lia, com algum desespero, as últimas páginas de um livro à sombra de um guarda-sol gigante. Aquele era um dia triste, representava o fim, terminavam as férias daquele ano. Tinham sido umas férias diferentes, introspectivas, as quais aproveitara para por a leitura em dia. Estava deprimido, ficava sempre assim quando se aproximava o final das férias. Não pelas férias propriamente ditas, mas sim pela separação, por ser o fim de algo que sabemos nunca se repetirá com o mesmo sabor e intensidade.
Pousou o livro aberto sobre a mesa e lembrou uma série que marcou a sua juventude "El Verano Azul". O que o marcara mais nessa série, não foram as paixões, as aventuras ou mesmo a tristeza da morte de Chanquete e a tristeza de Júlia, Beatriz, Desi, Javi, Pancho, Quique, Piraña ou Tito, mas sim o episódio da despedida. Sempre que pensava nele sentia uma dor que lhe invadia a alma, como se fosse uma das personagens daquela despedida, sentia na pele a dor que acompanha toda a separação.
Pensava isto com os olhos nublados perdidos naquele ponto em que o azul do céu e do mar se fundem.
A sua visão foi interrompida por uma silhueta feminina que sentou na mesa à sua frente. Tinha os cabelos claros, ondulados. Vestia uma T-shirt branca com umas letras bordadas onde se podia ler "STEF in TIME", à cintura uma espécie de saia cobria parte das pernas que terminavam numas sandálias. Sentou-se, pediu um café e abriu uma daquelas bolsas típicas das senhoras, onde um homem seria capaz de guardar o mundo. Tirou um livro que colocou sobre a mesa, um bâton de protecção que passou pelos lábios. Cruzou as pernas, a espécie de saia, generosamente, deixou à vista a sua pele dourada pelo sol.
Abriu o livro, saboreou o café e começou a ler. Tinha os olhos claros, pareciam azuis, ou talvez verdes. Reparou que estava a ler um livro do mesmo autor do que ele tinha pousado sobre a mesa - "olha que coincidência..." - pensou.
Durante momentos ficou a observa-la. Lia, descontraída, o seu livro e a intervalos regulares levantava os olhos que fixavam a praia. Numa das vezes levantou o braço para dizer adeus a alguém, mas ele não conseguiu perceber quem teria sido o feliz contemplado ou contemplada com aquele sinal.
Levantou o livro e recomeçou a sua leitura, mas não sem periodicamente a observar. Num desses momentos os seus olhares cruzaram-se, ele aproveitou para apontar para o nome do autor na capa do seu livro, apontou em seguida para o livro dela e sorriu. Ela sorriu também e encolheu os ombros como a querer dizer ?Coincidências?.
Com um gesto da sua mão pediu-lhe autorização para se sentar na mesa dela. Sem uma palavra ela deu-lhe a resposta que ele desejava. Colocou cuidadosamente o marcador nas últimas páginas do seu livro, pegou na imperial e foi sentar-se na mesa dela.
Ali permaneceram a discutir os livros, os autores, as histórias, as personagens numa série de pequenos diálogos, que em muito ultrapassaram a fronteira do tema que os tinha juntado. Por fim disse-lhe que aquele era o seu último dia de férias. Partiria no final daquela bela tarde e que aquela coincidência tinha sido o momento mais marcante das férias daquele ano. Perguntou-lhe se já tinha lido o livro que ele tinha na mão, ao que ela respondeu negativamente. Pediu-lhe uma caneta. Ela abriu a enorme bolsa, de onde, depois de muito procurar, conseguiu pescar a dita ,que lhe entregou. Ele abrindo o seu livro escreveu algo, que ela, na posição onde estava não conseguia ler. Depois de escrever entregou-lhe o livro e disse-lhe:
- Quero que fique com ele, que o leia e depois me conte o que não consegui ler.
Ela, visivelmente, surpresa e constrangida pelo gesto, abriu o livro onde ele tinha escrito:
"Por uma tarde de verão inesquecível. Para que recorde sempre este momento"
por baixo escreveu ainda,
"Se lhe apetecer partilhar comigo o final que nunca irei ler sozinho 96......."
Tinha colocado o número do seu telemóvel. Ela pegou no seu livro, escreveu-lhe igualmente uma dedicatória e entregou-lho. Ele pegou na mão dela, levantou-se e partiu.
Ela permaneceu sentada pensado naquela conversa, estava desconcertada sentiu um calor percorrer-lhe a pele que racionalmente atribuiu a uma reacção fisiológica à brisa fresca que soprava do mar.
Sentando à secretária recuperou o olhar perdido que vagueava por entre a folhagem verde e dourada da árvore que habitava aquele pedaço de jardim em frente à janela que lhe transmitia a luz do mundo exterior. Bonita aquela história, quase uma fantasia, um sonho, talvez um conto de fadas.
Rodou a cadeira em direcção à estante, cheia de livros, que cobria a totalidade daquela parede do escritório.
O seu olhar confirmou que, ao centro, em posição de destaque, lá estavam eles, os dois livros daquela história, juntos.
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