7 de julho de 2004

O último Fôlego

A noite estava nublada e o mar invulgarmente sombrio. No céu, a lua em quarto minguante, fazia os possíveis para fazer chegar à superfície do mar alguma da luz que o sol irradiava. Confusa por aquela escuridão, uma cabeça emerge das águas. Era ela, a sereia, com seus cabelos ondulados e olhos transparentes.

Estava espantada, pois naquela noite faltava-lhe a Luz do Farol. Nunca aquilo tinha acontecido, o farol estava apagado. Pensou se alguma coisa teria acontecido ao seu querido faroleiro, aquele que tinha beijado e nunca mais tinha esquecido. Nadou velozmente até à costa, procurando intensamente com os seus transparentes olhos azuis um sinal de que o seu faroleiro estava bem, mas nada.

Ali esteve durante algum tempo, procurando algum sinal. De repente mergulhou na água e dirigiu-se ao fundo do mar. Tinha decidido consultar Neptuno, pois tinha ouvido dizer que era possível as sereias irem a terra e nesse momento esse era o seu maior desejo. Apresentou-se a Neptuno com os olhos muito nublados e tristes, e um pedido muito especial, uma autorização para ir a terra. O rei olhando os seus olhos chorosos, portadores de uma dor infinita que lhe atravessou o coração, não foi capaz de recusar tal pedido. Ao sim do rei, ela respondeu com um lindo sorriso que iluminou por longos momentos as profundezas dos oceanos.

Saiu e dirigiu-se rapidamente para terra, escolheu um confortável areal e lá foi em direcção a terra firme. Foi difícil a sua saída do mar, aquele mar que a protegia e confortava, mas conseguiu. Uma vez no areal, tapou a sua cauda com areia seca, que como por milagre se transformou em duas bonitas pernas. Levantou-se, mas quase caiu de imediato, nunca tinha andado, aquilo era tudo novo, nunca se tinha sentido assim. Após algumas tentativas frustrada, lá conseguiu articular os primeiros passos e vacilante dirigiu-se o mais rapidamente possível para o farol.

Chegada ao farol confirmou que estava tudo fechado e do interior transparecia um silêncio mortal. Temeu o pior, o seu faroleiro tinha partido. Se calhar tinham automatizado o farol e dispensado o faroleiro. Foi então que duas lágrimas rolaram pela sua face em direcção ao chão que as acolheu carinhosamente.

Afastou-se um pouco, sentou-se numa rocha e começou a cantar, como só as sereias sabem fazer. Era uma melodia muito doce, mas profundamente triste que encantaria o faroleiro e todo aquele que a ouvisse. Dentro do farol, o faroleiro, dormia profundamente e sonhava que a sua sereia cantava para ele. A sensação da doce e terna melodia nos seus ouvidos parecia quase real.

Aquela sensação causou-lhe algum desconforto e acordou-o. Estranhamente apesar de estar de olhos abertos continuava a ouvir aquela doce melodia. Confuso procurou uma explicação para aquele fenómeno. Só podia ser ela, ela estava ali!

Levantou-se a correr e dirigiu-se à porta que abriu impetuosamente. Lá forma ainda se ouvia melhor, era linda a melodia. Tentou seguir a direcção do som. Entretanto a nossa sereia desesperada, atirou-se para os braços seguros do mar, que alimentou com a dor que dos seus olhos se precipitava sem controlo.

O faroleiro chegou a tempo de ver um par de pernas esconder-se no mar. Confuso pensou que era alguém que tinha decidido abandonar aquela existência tantas vezes obscura e solitária. Sem pensar, atirou-se ao mar para a salvar, tinha de salvar aquela linda voz, cuja transparência o tinha enfeitiçado.

Mergulhou várias vezes nas profundezas do mar procurando socorre-la. Num dos intentos, permaneceu demasiado tempo submerso e sentiu a luz da vida abandona-lo, não resistiu, não lhe apetecia resistir e deixou-se ir em direcção ao fundo do mar que afectuosamente o acolheu.

E assim se extinguiria, com o seu último fôlego, a Luz do Farol.


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