A Bola
Sentado à secretária olhava com um sorriso patético pela janela. As folhas à sua frente, brancas com letrinhas pretas estavam vazias naquele dia, o seu conteúdo tinha-se desvanecido. Não lhe apetecia ler aqueles textos chatos cheios de números e fórmulas que só alguns compreendiam e às vezes nem mesmo esses.
Pousou a caneta sobre a secretária, levantou-se e com passos dormentes foi até à janela. Lá fora uns miúdos jogavam à bola. Lembrou os seus tempos de criança quando também jogava à bola, daquela forma despreocupada.Mas agora o seu mundo era um mundo de letras, números e equações impossíveis de resolver.
- Bolas, estava farto! - pensou.
Decidiu sair. Calçou uns ténis, desceu as escadas e ao sair da porta a ideia de ir jogar à bola com aqueles miúdos saltou na sua cabeça, como saltava a bola deles na calçada. Rapidamente pensou - Que parvoíce, se me vissem ali a jogar à bola com uns miúdos?
Mas na realidade nunca tinha sido uma pessoa de preconceitos, isto devia ser um reflexo da sua vida mais recente.
- Que se lixe, vou fazer o que está a apetecer! - murmurou para si próprio.
Sem mais foi ter com eles, que, embora admirados com aquele adulto que queria jogar à bola com eles, o aceitaram de braços abertos. O jogo corria bem, ninguém perdia, mas também ninguém ganhava. O azar foi quando um dos miúdos, numa tentativa de imitar os famosos golos dos seu ídolo futebolístico decidiu fazer uma "avaria", um verdadeiro remate maravilha.
Pois, mas o remate falhou e ele estatelou-se no chão de granito que não lhe poupou as pernas. Correram todos para ele. Do joelho jorrava algum sangue que não deixava ver com clareza a extensão da lesão, além disso as dores pareciam indiciar algo mais complexo.
Alguns miúdos fugiram do local rapidamente, enquanto ele e os restantes tentavam confortar o ferido. Preparavam-se para o levar a um posto de socorro, quando apareceram os fugitivos acompanhados por uma mulher visivelmente aflita que logo se dirigiu ao pequeno, perguntando-lhe se estava bem e o que tinha acontecido. Ao que ele respondeu:
- Mãe, caí. Estava a tentar aquele remate que te mostrei em casa, na cama, mas falhou e aleijei-me!
Tentando esconder a sua aflição, ela disse-lhe:
- Deixa lá, não é nada, são só uns arranhões, vamos limpar isso e ficas logo bom.
Ele ofereceu-se para ajudar a levar a criança a casa, ajuda prontamente aceite. Enquanto caminhavam em direcção a casa dela, ele explicava o que fazia ali, tentando desculpar-se por estar ali a jogar à bola com os miúdos. Ela ainda aflita, riu e disse-lhe:
- Vai-me desculpar a franqueza, mas não sei se o acho mais maluco por estar a jogar à bola com os miúdos na rua, se por essas tentativa tontas de se desculpar. Fez o que lhe apetecia e ninguém tem nada a ver com isso.
Aquela resposta despertou algo nele, afinal nunca ninguém o tinha chamado de maluco e talvez fosse mesmo, no bom sentido claro.
Apressadamente sentiu necessidade de olhar para as mãos dela e para seu espanto e satisfação viu que não usava aliança.
O seu pensamento seguinte foi, que gostaria de a conhecer melhor.
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