Novo Dia
Francisco acordara e abrira a janela. Era sábado. Decidiu ir visitar o Faroleiro e dar-lhe alguma esperança. Sabia que não podia contar-lhe tudo, mas pelo menos poderia dizer-lhe que estava a preparar algo e talvez conseguisse que ele ficasse pela vila como faroleiro.
Saiu e tomou o atalho em direcção ao farol. Ao chegar verificou que estava tudo fechado. Era estranho, àquela hora ele já deveria estar a tratar das flores do jardim.
Bateu à porta uma vez, outra, mais outra, mas do interior do farol apenas o silêncio, um silêncio vazio. Pensou que o seu amigo tivesse desistido e partido em direcção à secretária da cidade. Logo agora que ele tinha preparado a reunião.
Decidiu bater uma última vez. Bateu com mais violência, com tal violência que conseguiu finalmente acordar o Faroleiro que gritou de lá de dentro:
- Calma que ainda partem a porta e depois tenho os Srs. do Ministério à perna.
Francisco sorriu num misto de alegria e descanso, afinal ele não tinha partido.
Vestido com a roupa da noite, ele aparece por trás da porta e pergunta:
- Quem é?
- Sou eu, o Francisco. Vinha ver como estavas e contar-te as últimas notícias.
O Faroleiro abre a porta e cumprimenta Francisco que, ao olhar para ele com aquela roupa lhe atira imediatamente,
- Estás doente? Com essa roupa toda a esta hora da manhã!
O Faroleiro mandou-o entrar para a cozinha, apetecia-lhe comer e entretanto podia ir contando a história da noite anterior. Sentados à mesa o Faroleiro foi confidenciando a Francisco os acontecimentos da noite e a ausência da sua Sereia. Talvez ela já não gostasse dele, interrogava-se.
Naquele momento, Francisco esqueceu os motivos que o tinham levado até ao farol e concentrou-se no novo problema que lhe era colocado. A quem interessava agora uma reunião que poderia fazer o Faroleiro ficar na vila se a sua Sereia tinha partido. Reflectiu que tinha de fazer algo.
- Depois do pequeno-almoço iremos os dois até à praia dos namorados, pode ser que... - disse Francisco.
- Achas que vale mesmo a pena?
- Claro que sim. Acaba lá de comer e vamos.
O Faroleiro acabou de comer, tomou um banho, vestiu uma roupa fresca, lavada e partiram em direcção à praia dos namorados. Quando chegaram ao cume da falésia, de onde partiam as escadas que conduziam ao bonito e abrigado areal, viram numa ponta da praia um ajuntamento de pessoas que se acotovelava, apertava, saltava e atropelava para ver algo que estava no areal. Mesmo da posição sobranceira onde se encontravam não conseguiam ver o que espantaria aquela gente toda.
Olharam um para o outro e o Faroleiro sentiu um frio invadi-lo e um arrepio percorreu-lhe o corpo desde a ponta dos cabelos até à base dos pés. Pensamentos negativos preencheram o seu pensamento e desataram os dois a correr pela escadaria em direcção ao areal.
Chegados juntos das pessoas, que teimavam em não deixar aproximar ninguém Francisco gritou alto,
- Deixem passar que este é um assunto da Junta de Freguesia!
Algumas pessoas, estupefactas pela despropósito da frase foram afastadas pela força e finalmente conseguiram chegar-se à frente para ver o que estava no areal.
Depois de verem, olharam um para o outro e riram. Riram dos seus pensamentos e da aflição com que tinham descido a escadaria e percorrido o areal a correr. Riram da frase de Francisco, " um assunto da Junta de Freguesia". Era apenas um conjunto de belas conchas e pedrinhas de cores variadas que estavam dispostas sobre aquela parte do areal.
Depois de rirem com violência, algo na cabeça do Faroleiro disparou a sua atenção. Olhou novamente para aquele conjunto de conchas e pedras. Já faltavam algumas, possivelmente retiradas por alguma criança, mas havia algo que lhe era familiar. Pediu a Francisco se podia afastar um pouco as pessoas. Deu dois passos para trás e olhou o conjunto na sua globalidade com atenção.
A sua face iluminou-se com um enorme sorriso, que por momentos assustou Francisco pela sua intensidade. Que estaria ele a ver naquelas conchas e pedras. Levantou os olhos para Francisco e disse,
- Vamos que a nossa missão aqui terminou.
Sem perceber, Francisco seguiu-o em direcção à escadaria. Quando atingiram o cimo da falésia, Francisco perguntou então,
- Que havia naquelas conchas e pedras que te fez sorrir daquela maneira?
- Aquilo, meu amigo, era uma mensagem da minha Sereia, escrita num código semelhante ao que eu utilizo com a luz do farol para marcar o local dos nossos encontros. Ali estava indicado o local para o nosso encontro desta noite.
Francisco riu com vontade e entre as gargalhadas ainda teve forças para articular,
- Afinal eu tinha razão, se te envolve e ti e à Sereia, aquilo era um assunto da Junta de Freguesia.
Aquela luzinha iluminou uma gargalhada em ambos, que com esta comunhão reforçaram mais um pouco a sua amizade.
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