17 de janeiro de 2005

Essência das Coincidências (III)

Liberto do peso daquele achado seguiu em direcção à falésia, sobre a qual se erguia com altivez o farol. Deu dois passos e olhou directamente para ele. Nesse momento parou. Aquela visão de força e segurança assustava-o, colidia com a sensação de cobardia que lhe digeria os pensamentos de forma voraz. Procurando livrar-se daquela sensação, virou as costas ao farol e seguiu na direcção oposta.

Caminhou à beira ma, procurando absorver o calor que aquele sol de Inverno lhe entregava na palma de cada raio. A brisa fria e húmida do mar penetrava-lhe as narinas e faziam-no sentir desperto. A mão no bolso direito rodada incessantemente o telemóvel entre os dedos. Na mão do seu pensamento outras ideias rodavam, também elas sem parar. Curioso aquele nome, Brisa do Luar, poderia ser um tipo de brisa qualquer, mas do luar.

Como seria a Brisa do Luar?

Teria o luar brisa?

Porque escolheria ser a Brisa do Luar, quando o luar não tem brisa?

Procurou no dicionário da sua imaginação o significado da palavra brisa. A brisa representava a face mais meiga do vento, uma aragem fresca que nos envolve e nos dá uma sensação de conforto e prazer.

Seria ela também assim, meiga e fresca?

Teria perdido a oportunidade de sentir o conforto de um abraço meigo e doce?
Não podia deixar que aqueles pensamentos, aquela dúvida cruel lhe invadisse o espírito. Apressou o passo, apetecia-lhe gritar, exteriorizar a raiva que sentia. Apressou mais um pouco o passo, e depois mais um pouco. Sem se dar conta corria agora a grande velocidade. Os ténis enterravam-se na areia com a violência do impacto pelo passo de corrida. A areia fina e incómoda expulsara o ar junto ao pé, mas não tinha conseguido expulsar a incerteza da sua cabeça.

Talvez se fizesse como a avestruz...

Por fim, exausto, começou a abrandar o ritmo. Uma sensação de dor preenchia agora parte da sua cabeça. Afinal, talvez a corrida tivesse surtido algum efeito. Por fim parou e deitou um olhar ao horizonte. À sua frente apenas um areal dourado que se estendia até… até… até onde os olhos conseguiam alcançar. À sua direita pequenas colinas de areia, baptizadas de dunas limitavam a sua visão. À sua esquerda aquele mar imenso que nunca se deixaria atravessar e que na linha do horizonte escondia outros mundos. Na suas costas o farol. Não o via, mas sabia que estava lá, por isso correra, para lhe fugir, como se tal fosse possível...

Nesse momento compreendeu. Compreendeu que estava preso, preso entre um farol a quem virara as costas e um futuro que não conseguia avistar. Pensou como um condenado. A única solução possível era enfrentar o medo e preparar a fuga daquele encarceramento.
Subiu até ao alto de uma duna, encheu os pulmões de ar e gritou, uma, duas, três, muitas vezes. Depois olhou as várias direcções e partiu em direcção ao local de onde tinha partido.

Talvez fosse apenas mais uma coincidência, voltar ao local onde tinha começado aquela aventura, mas que interessava isso, afinal as coincidências são apenas combinações de espaço e tempo que nos tocam de maneira especial.


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