30 de julho de 2004

As Cartas

As cartas atingiram o Ministério como uma violenta trovoada. Chegavam às centenas todos os dias. No seu interior apenas a identificação do cidadão e por entre os textos diferenciados pelo gosto e inspiração do autor uma mensagem:

"Eu vi uma sereia!"

Aquela chuva torrencial de cartas que todos os dias se abatia sobre o Ministério, começou a perturbar o normal funcionamento dos serviços. Foi necessário destacar mais pessoal para o serviço de selecção e registo de correspondência, mas todos os dias pontualmente o aguaceiro aparecia.

O facto foi levado ao conhecimento do ministro que pronta e precipitadamente deu a solução:

- Destruam todas as cartas que tenham na morada do remetente o nome da vila!

- Mas senhor ministro... - ainda gaguejou um assessor.

- Não há mas, nem meio mas, afinal que manda nesta casa?

- É o senhor ministro! - responderam os meninos em coro.

A assim foi, nos dias seguintes todas as cartas que chegavam ao ministério provenientes da vila eram entregues ao Sr. José, com a indicação de que deveriam ser destruídas.

O tempo passava e o Ministério não dava sinais. Francisco intrigado com aquela ausência de notícias, decide enviar um ofício ao ministério, questionando a manutenção da decisão inicial de afastar permanentemente o faroleiro da vila.

A resposta, foi admiravelmente rápida para a burocracia, que se sabia imperar nos ministérios da república. E lá estava a confirmação, o Faroleiro seria afastado do seu posto no farol, por alegadamente "não se encontrar em perfeitas condições físicas e psicológicas para assegurar uma função de vital importância para a segurança marítima".

E as cartas, interrogava-se Francisco, não mencionam as cartas, nada!

Entretanto as viagens do visitante misterioso ao farol tornaram-se mais frequentes, as conversas com o Faroleiro, pareciam agradar ao visitante, que passava longas tardes sentado nas cadeiras colocadas junto ao farol, observando o mar e ouvindo as história que este lhe contava.

Intrigado com o destino das cartas, Francisco decide telefonar directamente para o ministério, dizendo que tinha enviado uma carta para lá por causa do assunto do Faroleiro da Vila, Depois de lhe transferirem a chamada uma dezena de vezes entre gabinetes, finalmente alguém lhe iria dar uma resposta:

- Nos serviços do ministério nunca foi recepcionada qualquer carta sua sobre o assunto que me relata.

Francisco insistia,

- Mas foi correio registado...

- Já lhe disse, caro senhor que aqui não foi recepcionada qualquer carta sua sobre esse assunto.
Aquela voz parecia uma gravação, não sabia dizer mais nada.

Cada vez mais intrigado, instigou uns amigos a segurem-lhe os passos e para seu espanto a resposta dada a todos foi igual. Foi ao posto dos correios e através de uns conhecimentos conseguiu que lhe confirmassem que as cartas tinham sido entregues, pelo menos era isso que indicavam os registos existente nos serviços centrais.

Quando saia dos correios, tentando encaixar as novas informações num puzzle, sem guia que não fazia sentido, choca de frente com o visitante do farol e quase o derruba. Pelo menos conseguiu espalhar pelo chão o conjunto de cartas que este levava na mão.

Prontamente pediu desculpas e começou a apanhar as cartas do chão. Não pode deixar de reparar que eram todas dirigidas ao Ministério. Fez um sorriso de desencanto e disse,

- Não adianta enviar as cartas, a minha foi registada e o mesmo assim o Ministério diz que nunca a recebeu. Perde o seu tempo caro, amigo.

Nesse momento o visitante mostrou-se particularmente interessado e intrigado por aquelas palavras.

- Se o Sr. Presidente não estiver muito ocupado, poderia explicar-me melhor esse assunto. Se puder aguardar um momento, insisto em ir enviar este correio, primeiro.

- Vá que depois de desilusão que acabo de ter, não tenho cabeça para fazer mais nada hoje. Pode ser que a conversa me faça bem e me anime.

Depois de enviar o correio lá seguiram em direcção à esplanada do restaurante do hotel, onde se sentaram a saborear um cocktail de frutas.

Francisco explicou toda a situação, as cartas enviadas e nunca recebidas, o desalento que tomara conta de si, as forças que sentia lhe estavam a faltar para continuar aquela luta desigual, o amor daqueles dois que agora, mais do que nunca, estava em perigo.

O visitante ouviu com atenção toda a história e por fim disse-lhe,

- Sabe Sr. Presidente, posso trata-lo por Francisco?

Francisco anuiu com a cabeça.

- Então Francisco, ainda não é tempo de perder a esperança, sabe que eu tenho falado com o Faroleiro e também acredito na história dele.

- Então também viu... - ia a dizer Francisco, quando um impulso o fez parar.

- Vi o quê?

Vendo que ele não sabia da existência do cristais, atalhou,

- Viu que ele não está maluco?

- Sim, isso é óbvio, até para o olhar mais inexperiente ou desatento. Mas como lhe dizia, eu acredito na sua história e estou disposto a ajudar, mas tem de me prometer que não divulgará nada desta nossa conversa nem de onde provém a ajuda.

- Isso está prometido ? disse Francisco ao mesmo tempo que na sua face um sorriso ganhava nova vida...

... era um sorriso alimentado pela luz da esperança.


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