31 de julho de 2004

Carta de Amor

Meu amor, escrevo-te para dizer aquilo que já sabes, acho que sempre soubeste, ou soubemos os dois, desde o primeiro momento, desde as primeiras palavras, embora tenhamos tentado resistir e continuemos a resistir. Procuramos não embarcar num love boat com destino incerto em mar tempestuoso. Fazemos por manter acesa a luz da dúvida, para que a luz do amor não nos ofusque a razão e a sensação de segurança que nos proporciona... ainda que ilusória.

Deixo-me perder o olhar no horizonte, onde sulca as ondas de um mar de recordações, recordações dos teus lábios, dos beijos trocados publicamente num banco de jardim, das carícias, de perder os meus dedos nos teus cabelos, de uma sobremesa comida a dois e das emoções que fluíam das palavras, dos teus olhos transparentes, dos sorrisos e gestos.

Na ponta dos meus dedos o doce sabor da tua pele que percorri como uma criança que sente o prazer da descoberta pela primeira vez. Na palma da mão, gravadas a fogo, tenho ainda as marcas suaves da tua pele que teima em não descolar da minha.

Nos meus ouvidos, ela ainda canta aquela canção, aquela que fala..., tu sabes. Recordo ainda a dor da despedida e a forma com te aninhaste no meu colo naquele momento, apesar do desconforto do local. Aquele foi sem dúvida um momento mágico, dos mais intensos que já vivi e alguma vez viverei. A sabedoria da idade dá-nos esta capacidade de sentir com outro esplendor a magia destes momentos fugitivos.

Mas agora, agora sinto o medo de te perder, que te vais afastar de mim, pouco a pouco, dia após dia e sinto-me impotente para travar esse afastamento. Agarro com força as tuas mãos, aperto-as cegamente e tento não te deixar partir, mas o esforço parece-me sempre infrutífero, sinto-te escorrer por entre os dedos e loucamente aperto mais um pouco, na esperança de te conseguir deter.

Vejo-te caminhar em direcção à estação e corro atrás de ti. Entro na gare a tempo de te ver entrar naquele comboio voador que te levará para um destino incerto de solidão ou paixão. Não resisto e grito o teu nome, grito que te amo. Da janela atiras-me um beijo que tento desvairadamente apanhar.

O chefe da estação dá o sinal de partida, o comboio inicia a sua marcha lenta que te levará de mim. Nesse momento corro, corro a gritar o teu nome e como te amo, tento ainda apanhar o comboio, mas tropeço e caio. Tropeço nos sentimentos que bem conheces, naqueles sentimentos puros e sinceros que te tocam a alma, e te levam a dizer: "és muito querido".

Tento levantar-me e continuar a correr, mas o comboio sobe já, em direcção às estrelas, tento ganhar asas e voar, mas a força de gravidade é ainda muito forte, por mais que bata as asas os pés não descolam do chão.

E tu vais, insegura, mas protegida em direcção às estrelas, olhando de vez em quando pela janela. Compreendo a tua partida. Compreendo, mas compreende tu também, que não sou capaz de aceitar, de me resignar ou capitular.

Penso em ti todos os dias, embora nem sempre te o diga, mas a verdade é que são teus os meus primeiros pensamentos pela manhã e em todos as horas do dia. No fim do dia, cansado, deito-me e dou voltas e voltas procurando esquecer-te, até que por fim te sinto. Encaixas-te em mim, apoias as tuas costas contra o meu peito, o teu cabelo perfumado de camomila e maçã toma conta do meu olfacto, quando a tua cabeça se aninha junto a mim. Abraço-te. Percorro com a palma da mão o teu corpo, numa viagem com início na face, descobrindo maravilhas nos teus lábios, pescoço e peito, até ao umbigo, onde por fim, repousa beijada pela palma da tua.

Adormeço assim, na esperança que ao acordar continues ali, abraçada a mim, mas acordo apenas com a lembrança de um sonho, um sonho que tenho esperança e confiança, algum dia deixe de o ser, porque...

...te Amo.


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