4 de agosto de 2004

As Marcas

Passeava lentamente à beira-mar. A tarde estava quente, mas não um calor daqueles que abafa a vontade, era um calor tépido de conforto. Enquanto passeava, olhava as pessoas que, juntas, consigo se cruzavam. Procurava em cada rosto solitário, como o seu, a sua alma gémea, aquela que o destino lhe tinha roubado num momento de crueldade infinita.

Era bonito ver aquelas pessoas a caminhar juntas, conversando sobre futilidades, rindo, respirando, partilhando momentos que não se repetem, pelo menos não da mesma forma, nem com a mesma intensidade.

Por vezes sentia uma vontade estúpida de olhar para trás. Queria ver como o mar apagava os fragmentos da história que ia deixando espalhados pela areia. Marcas de uma solidão forçada, que os seus pés imprimiam numa folha de papel castanha, apagada vezes sem conta pelo mar azul. Era esse o seu verdadeiro desejo, ver o mar apagar as marcas da sua dor.

Imaginou-se a correr por aquele mesmo areal e viu surgirem na folha de papel castanha marcas de pés que seguiam a par. Aqui e além distanciavam-se, mas depois voltavam ao seu rumo original num paralelismo quase perfeito. Por vezes pareciam divergir, para depois aumentar a frequência, em alguns instantes o espaçamento aumentava, mas depois, no fim, apareciam sempre muito juntas, com uma confusão de marcas num espaço diminuto, sobrepondo-se umas às outras.

Queria perceber aquele enigma, o enigma daquelas marcas que ora estavam juntas, ora se separavam com num bailado. O seu pensamento, com a imaginação toldada por uma sobrevivência indolente, não conseguia formar uma imagem clara da origem de tão extraordinário fenómeno, afinal ele sempre vira somente duas marcas que seguiam sós.

Sentou-se de frente para o mar, nas areias douradas, lançou o olhar sobre o infinito horizonte azul e pescou um barco que, vigiado por gaivotas, procurava na imensidão do oceano a força para continuar a viver.

À sua frente um casal de jovens quebrou-lhe o olhar. Seguiam juntos, a par. De vez em quando ela, ou ele, afastava-se em direcção ao mar para apanhar uma concha ou pedra que observavam em conjunto, ou simplesmente para uma brincadeira de água. Depois corriam, um atrás do outro, até que, por fim, juntos se abraçavam e beijavam. Nesse momento sentiu que o seu enigma estava solucionado.

Em falta, apenas, mais dois pés...


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