A Entrevista
Sendo um caso que envolvia políticos, a notícia assumiu destaque nacional nas rádios e noticiários das televisões. Uma das estações anunciava já a entrevista em directo com o ministro para essa noite.
Durante o dia, foi ver a corrida dos jornalistas pela vila tentando entrevistar todas as pessoas, queriam filmar o local dos encontros do Faroleiro com a sua Sereia, alguns inclusive, afirmavam com certeza que o local onde se encontravam tinha sido onde se dera o primeiro encontro.
Até o desbocado do João Areias, teve direito aos seus trinta segundos de glória para dizer que a ideia das cartas tinha sido dele e que nunca duvidara da existência da Sereia.
O Faroleiro é que estava perturbado por todo aquele movimento, pois nessa noite não poderia ir ver a sua Sereia, pois os jornalistas seguiam-lhe os passos como sombras. Telefonou a Francisco que o acalmou.
- Deixa lá, que ele apenas vão ficar uns dias, amanhã ninguém se lembra de nada e com todo este barulho sempre quero ver o que diz agora o Sr. Ministro.
No jornal da noite, lá estava o Sr. Ministro sentado à esquerda da apresentadora para explicar o insólito caso do afastamento de um Faroleiro com uma folha de serviço exemplar, apenas porque tinha afirmado que vira uma sereia.
Começou a entrevista:
- Boa noite Sr. Ministro. Como explica o Sr. este caso da transferência deste Faroleiro?
- Boa noite Manuela, como deve compreender o Ministério rege-se por princípios muito rígidos de qualidade dos serviços prestados pelas nossa estruturas e não podemos correr o risco que os problemas de alguém ponham em causa a segurança de milhares de marinheiros que contornam a nossa costa. Somos um país de mar e turismo, e como tal temos a obrigação de assegurar as melhores condições aos visitantes quer no mar quer na terra...
- Claro que sim Sr. Ministro, mas não lhe parece despropositado o afastamento de um funcionário com uma folha de serviço exemplar, só porque duas cartas anónimas chegadas ao Ministério o acusam de ter "visões"...
- Bem, o facto de serem cartas anónimas, não exclui a necessidade de averiguar os factos
- E como foram eles avaliados Sr. Ministro? - Interpôs a locutora.
- Bem, eu já assinei o despacho que instaura um processo de averiguações...
- Que ainda não está concluído nem sequer iniciado, não é?
- Bem - disse o Ministro - sabe que é necessário algum tempo para a publicação do despacho, a constituição da comissão de investigação, essas coisas requerem o seu tempo...
- Claro que sabemos Sr. ministro, todos os dias assistimos a casos iguais. Mas entretanto transfere-se o funcionário sem lhe dar a hipótese de refutar os factos que lhe são imputados. Já agora Sr. Ministro, o Sr. acredita em Sereias?
- Manuela! Como você sabe muito bem, todos aprendemos na escola que as sereias pertencem à mitologia e como tal não existem.
- Pois Sr. Ministro, então vai ter de dizer isso ao meu marido, pois ele trata-me regularmente por “minha Sereia”...
- Bem certamente, esse é um tratamento carinhoso, mas que não corresponde à verdade.
- Isso não vou discutir com o Sr. Ministro, como deve compreender, mas tenho aqui outra questão. E as cartas que toda a vila afirma ter enviado para o Ministério, onde estão?
- Não sei, o que lhe posso assegurar é que não tive na minha mão nenhuma dessas cartas...
- Mas não foram recebidas no Ministério?
- Bem como deve compreender, eu não vejo todo o correio que chega ao ministério, para isso temos serviços próprios, o que posso garantir, como já lhe disse, é que não vi pessoalmente qualquer dessas cartas.
- Informam-me da régie que o Primeiro-ministro acaba de chegar à inauguração de mais um complexo lúdico na capital, para onde seguimos em directo para colher a sua opinião relativamente a este caso.
- Sr. Primeiro-ministro, qual o seu comentário a este caso do Faroleiro da Vila.
- Como já tive oportunidade de expressar ao Sr. Ministro do mar, tenho absoluta confiança nas suas decisões e acredito que se tomou a medida que tomou, foi no estrito interesse do país. Sei que também já mandou instaurar um processo de averiguações e até à sua conclusão temos que aguardar pacientemente as conclusões. Não faço mais comentários meus Senhores. Boa-noite.
Com estas palavras, o Primeiro-ministro, que o era por acaso, como o Francisco era Presidente da Junta da vila, disse aquilo que todos já sabiam, mais um processo, mais averiguações...
e no fim tudo igual, tudo às escuras, nem uma luzinha.
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