O Destino e as Coincidências (IV)
Chegado junto linha de fronteira sentou-se e descalçou-se. A sensação da areia, também ela presa no interior dos ténis tornara-se insuportável. Também ela clamava pela liberdade à sua maneira.
Já descalço, enterrou os pés na areia ainda fria e húmida. A princípio sentiu um leve incómodo, mas rapidamente se transformou, à medida que crescia a comunhão entre o seu corpo e a natureza quente e protectora da paisagem.
Durante muito mais de uma hora percorreu o caminho de volta acompanhado pelo sol morno daquele dia de Inverno. De vez em quando lançava um olhar sobre as ondas do mar e questionava-se sobre o paradeiro da garrafa de tão friamente tinha arremessado para as entranhas do oceano.
Na verdade o seu olhar procurava-a. Sabia que tinha o número no seu telemóvel, até poderia telefonar, mas não era isso que o perturbava, queria mesmo era sentir de novo a mensagem na sua mão. Voltar a ler as suas palavras. Guarda-las no fundo protector do seu coração e embrulhar nelas os seus sentimentos que lhe ofereceria no seu primeiro encontro.
Mais leve depois de ter gritado com o mundo pensava no que faria quando a enormidade da falésia de onde se afirmava o farol estivesse a seus pés. Seria capaz de enfrentar aquele farol com a mesma força com que tinha gritado do alto da duna?
Sentia que sim, estava preparado para tudo. Queria libertar-se daquela jaula de sentimentos que o aprisionavam e vogar num sonho de liberdade e amor. Naqueles momentos em que olhava o mar, aproveitava para acolher a brisa fria e salgada que o mar lhe estendia. Quando aquele ar invadia os seus pulmões sentia a doçura cálida da Brisa do Luar numa noite de verão sob um céu estrelado. Aquele vento imaginário, sereno e delicadamente sensual embriagara a dúvida e dera espaço à certeza e à confiança no sucesso da sua caminhada.
Ao fundo conseguia já vislumbrar o porte altivo do farol. A sua caminhada aproximava-se do final. Mais um olhar sobre a superfície do mar, mais um sorvo de Brisa do Luar e mais uns passos longos e decididos. Sem hesitações, seguia o seu rumo guiado pela Luz do Farol, ainda que apagada naquele momento.
Já mais perto da falésia observou como um objecto flutuava sobre as ondas do mar. Focou o olhar e conseguiu perceber que era uma garrafa. Talvez fosse…
Não, não poderia ser, seria coincidência a mais!
Depois de horas a caminhar voltar a encontrar a mensagem de que nunca se tinha querido separar. Parou e ficou a observar como o mar lentamente, muito lentamente, a empurrava em direcção à areia. Enquanto esperava esboçou um sorriso e pensou como era parvo. Ali parado em frente ao mar à espera. À espera, com a esperança de que aquela fosse a mesma garrafa que ele tinha atirado ao mar horas atrás. Só mesmo ele para alimentar tal sonho.
Sem pensar mais virou costas ao mar e àquela, mais uma, coincidência e seguiu em direcção à falésia, com um pensamento a rolar na sua cabeça:
Estava na hora de agarrar o seu destino com as duas mão e deixar o acaso descansar em paz.
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