27 de julho de 2005

Farol da Vida (Capítulo 3)

A ambiente de penumbra da garagem permanecia igual ao de tantos dias, mas naquele dia Pedro estava diferente, de tal modo que a falta de luz estava a incomoda-lo. Apressou o passo em direcção ao elevador, queria desesperadamente abandonar aquele local soturno.

Já em frente à porta do elevador levou a mão ao bolso e procurou a chave que lhe permitiria abandonar aquela prisão. Por questões de segurança o elevador parava no piso térreo do edifício, apenas a utilização de uma chave especial permitia o acesso aos pisos inferiores, onde se localizavam as garagens e maquinaria diversa.

Finalmente encontrou a chave, introduzi-a na abertura colocado ao lado da porta e logo sentiu o som familiar do elevador que agora se movimentava na sua direcção. Entrando premiu o botão ao lado do qual uma lustrosa placa indicava Lindhout, Jaeger & Associates Architects. O elevador começou a andar e deteve-se treze andares depois, com um sonoro “plim-plim” anunciado o fim da viagem.

Até esse dia nunca tinha dado importância ao facto de trabalhar no décimo terceiro andar, mas naquele dia até esse pormenor lhe tinha causado alguma apreensão. Dirigiu-se à porta o escritório e forçando os músculos do braço, estendeu a mão e empurrou a porta.

Lá dentro parecia reinar a anarquia. Andavam toda a gente a correr de um lado para o outro com enormes folhas nas mãos. Ao longe ouviam-se alguns gritos de “depressa”, “então, ainda não está?”, “imediatamente!”. Algo acontecera naquela manhã para justificar todo aquele tumulto.

Pedro nem quis saber. Passou incógnito pelo meio da confusão e dirigiu-se ao seu gabinete situado ao fundo de uma sala organizada em “open space”. Entrou no gabinete fechando rapidamente a porta, procurando isolar-se do mau presságio que aquela agitação prenunciava. Atirou o jornal para cima da mesa redonda colocada a um dos lados e foi sentar-se atrás da secretária colocada de costas para a janela.

Olhou com indiferença os recados que Maria, a sua secretária lhe tinha colocado sobre a mesa e rodou a cadeira de modo a ficar de frente para a janela. Esticou as penar e deixou o pensamento voar através dos vidros.

Ainda mal a sua imaginação tinha levantado voo e sentiu bater a porta do seu gabinete. Sem se virar Pedro disse:

- Já não se bate à porta antes de entrar?

- Privilégio de chefe, meu querido.

Era Manuela, responsável pelo escritório de Lisboa e sua chefe. Manuela era uma bela mulher de uns quarenta e quatro anos, mas a quem ninguém daria mais de trinta e cinco. Fruto de uma alimentação cuidada, quatro visitas semanais ao ginário e uma visita à clínica de beleza, era a prova viva que não se pode medir a idade de uma mulher pelo seu aspecto. Tinha cabelos castanhos, levemente acobreados por uma hábil cabeleireira e uns transparentes olhos verdes que em conjunto com os lábios levemente carnudos rematavam uma face com uma beleza arquitectonicamente singular. Usava quase sempre sapatos com saltos altos, às vezes quase maiores do que as suas já longas e elegantes pernas, que acentuavam a sua sensualidade, associados a um guarda-roupa criteriosamente bem escolhido de modo a realçar as formas do seu corpo ainda mais jovem do que a idade que aparentava.

Pedro permaneceu virado para a janela, enquanto Manuela se aproximava dele dizendo.

- O menino não reparou que o escritório está em alerta máximo? Permanece aí com esse ar de apatia quando todos aqui estamos à beira de um abismo de stress…

- O segredo está em não se deixar dominar pelo stress Manuela. O abismo pode esperar e vai ter que esperar, que ainda não é hoje que me vai apanhar.

Já encostada à sua cadeira Manuela introduzira os dedos nos cabelos de Pedro enquanto dizia:

- Não sei como ainda me consigo surpreender com a tua frieza, essa calma que não consigo ter. Não sabes a inveja que sinto dessa tua forma de ser.

- É simples - disse Pedro - Substituis uma dessas aulas do ginásio por uma passeio à beira-mar, com os pés descalços sobre a areia húmida e verás como todos os teus problemas vão adquirir novas cores e formas, tal qual o mais sublime projecto de arquitectura que possas imaginar.

- Bem gostaria Pedro, mas alguém tem de puxar por este escritório e por talentosos e preguiçosos arquitectos como tu, meu menino. Agora vamos ao trabalho que o dia não espera.

Dizendo isto afastou-se de Pedro. Enquanto caminhava em direcção à porta ia dizendo.

- Pedro sabes que gosta muito de ti, já te dei provas mais que suficientes disso, e apesar do teu talento não aceitarei desculpas se algo falhar com este projecto. Sabes disso não sabes?

- Claro que sei Manuela – Ao dizer isto, Pedro lembrou-se de Manuel - Ainda hoje estive com a melhor prova da tua impiedade, o Manuel Costa!

- Então vê se não lhe segues o exemplo!

Dizendo isto saiu batendo a porta com força.

A sua relação com Manuela sempre tinha sido fácil. Ela sabia que ele tinha talento, algo que a ela não lhe sobrava. Por tal acabava sempre por ser algo condescendente com a sua atitude despreocupada. Na verdade a razão não era só o seu talento. Manuela sempre tivera um fraquinho por ele, desde o dia que se apresentou para a entrevista no escritório.

A sala estava cheia de candidatos. Pedro fora dos últimos a chegar, como era seu apanágio, rigorosamente pontual mas sempre no fim. Manuela passou pela sala, e ainda sem saber que ela era, tinha havido entre ambos uma troca de olhares que lhe deu esperança que o lugar era para si. Foi o terceiro a ser chamado, e ao contrário dos outros a quem era dito que deveriam aguardar por notícias pelo correio, a ele, Manuela dissera-lhe para aguardar na sala ao lado.

Depois disso, Manuela tentara por diversas vezes concluir a aproximação que tinha iniciado naquele dia, mas sempre sem sucesso. O facto de Pedro saber que ela era casada e principalmente que era a sua chefe tinha-o sempre motivado para manter a distância, apesar das investidas mais ousadas de Manuela.

Recordava inclusive uma viagem, em que Manuela lhe ligara do quarto de hotel dizendo-lhe que necessitava urgentemente da sua ajuda. Quando chegou ao quarto, Manuela abriu-lhe a porta e para seu espanto pediu-lhe que a ajudasse e vestir um top que ela não conseguia apertar. Sem nada a cobrir o seu belo e firme peito, Manuela estendeu-lhe o top com os olhos a flamejar de desejo.

Contudo, ele tinha conseguido manter a calma e aplacando o fogo que naquele momento crepitava dentro de si, mandou que se virasse e delicadamente apertou o top e dirigiu-se para a porta dizendo:

- Espero-te no hall, não te demores.

Pedro não o sabia, mas naquele momento Manuela, furiosa, tinha prometido a si mesma:

- Um dia hás-de ser meu Pedro!

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