1 de agosto de 2005

Farol da Vida (Capítulo 5)

No gabinete, lentamente, Pedro rodou a cadeira pronto a enfrentar o abismo que atormentava Manuela. Lançou um olhar profundo ao quadro na parede à sua esquerda, atrás da mesa de reuniões, de onde parecia dominar todo o gabinete, em busca da força e a inspiração para lançar uma ponte sobre mais um abismo.

Estendeu a mão para o telefone à sua direita e instantes depois ouvia à distância o resultado do seu gesto. No altavoz surgiu então uma voz feminina.

- Bom dia Sr. Arquitecto.

- Bom dia Carla. Pode chegar até ao meu gabinete?

- Certamente.

- Obrigado Carla.

Carla, tinha chegado ao escritório alguns meses depois de Pedro e talvez por serem os dois funcionários mais novos do escritório, foram imediatamente emparelhados. Carla era jovem, muito jovem e atraente, talvez por isso não gozasse da simpatia de Manuela. Tinha terminado um bacharelato em secretariado de administração num instituto particular e graças a factores que não constavam certamente do seu curriculum foi imediatamente admitida. Pedro até hoje nunca descobrira os motivos de tão rápida selecção, ainda mais quando Manuela tinha demonstrado claramente a seu incomodo com a situação. Não fosse a visível irritação de Manuela, que ela nem se incomodava em esconder, Pedro pensaria que a contratação de Carla tinha o dedo da sua chefe, a qual, inconformada a rejeição de Pedro tinha contratado Carla para o testar.

Contudo, Carla tinha-se adaptado perfeitamente às funções e à forma de trabalhar de Pedro. A sua competência era inquestionável, de tal modo que, entre eles desenvolveu-se um vínculo, uma forma de amizade exclusivamente profissional que os transformava na equipa perfeita.

As leves pancadas na porta anunciavam a sua chegada. Ao seu sim, ela abriu a porta e entrou no gabinete. Com os longos cabelos ondulados castanhos a esvoaçar a cada passo seguro que dava, aproximou-se da secretária. Vestia uns jeans justos e uma t’shirt branca através da qual ela possível decalcar a forma da delicada peça de roupa que cobria o seu peito. A comunhão entre a sua roupa e as curvas características da juventude dos seus quase vinte e cinco anos era perfeita.

Pedro alheio ao encanto de Carla, lançou-lhe um olhar profissional e um pedido:

- Carla ponha-me ao corrente dos motivos desta azáfama do escritório. A arquitecta Manuela apenas me disse que estamos em alerta vermelho, mas isso já eu tinha percebido desde que a abri a porta do escritório esta manhã.

- O Pedro tem conhecimento daquele grande projecto que a arquitecta Manuela insistira em manter sob a sua tutela? – Quando estavam sós Carla trava-o sempre por Pedro, fora ele que insistira para que assim fosse.

- Claro que sim, acho até que os clientes não ficaram muito satisfeitos…

- Pois, é esse mesmo. Telefonaram ontem à tarde, depois do Pedro ter saído, dizendo que o projecto teria de ser entregue em 48 horas. Aparentemente estão a antecipar modificações no arranjinho de forças camarárias e querem o projecto entregue antes que os ventos lhes sejam desfavoráveis.

- Não me admira, com a volumetria e a sua localização daquele projecto … nenhum arquitecto no seu perfeito juízo aprovaria aquela “coisa” – Pedro dera uma entoação especial à palavra coisa, para que Carla entendesse perfeitamente o que queria dizer.

- Bem, mas isso agora não interessa nada. Só não percebo porque Manuela veio falar comigo se foi ela quem tomou a decisão de ficar com direcção do projecto?

- Aparentemente as coisas não estão a correr bem. O ante-projecto apresentado aos clientes, ontem ainda, não foi bem recebido e o desespero à minha chegada hoje de manhã era geral.

- Então vamos lá ver o que podemos fazer. Carla marque uma reunião na sala grande, para daqui a cinco minutos, com todo o pessoal afecto ao projecto. Sublinhe que devem levar o ante-projecto apresentado ao cliente e as objecções apresentadas.

Carla, permanecia especada à sua frente, parecendo querer resistir à indicação de Pedro.

- Esqueci algo Carla? Porque está aí especada? Só já faltam quatro minutos…

- Desculpe Pedro, mas acha boa ideia marcar assim a reunião sem consultar a arquitecta Manuela?

- Claro que não Carla!

Com um sorriso maroto a iluminar-lhe o rosto, Pedro ripostou ainda:

- A primeira pessoa que a Carla vai convocar vai ser precisamente a arquitecta Manuela, mas não se esqueça de lhe dizer que eu solicito amavelmente que ela esteja presente para dirigir a reunião, afinal se quer que eu dirija este projecto, alguém vai ter de passar o testemunho. Relativamente ao resto do pessoal, diga a todos que a reunião foi convocada pela chefe. Ela vai apreciar!

- Pois, nem eu tinha imaginado outra coisa… - disse Carla, acompanhando o expressivo sorriso de Pedro.

Carla rodou elegantemente sobre um eixo imaginário e dirigiu-se para o seu posto de trabalho disposta a cumprir diligentemente as instruções que recebera.

Pedro, por sua vez, lançou mais um olhar suave e penetrante para o quadro que tantas vezes lhe servira de inspiração nos momentos difíceis, não imaginando que fora a recordação da imagem daquele mesmo quadro que, nessa manhã, tinha despertado a atenção de Manuel e o levou a pensar em Pedro.


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