10 de agosto de 2004

Coisas Simples

Levantou-se com a agradável sensação que aquela manhã lhe traria uma surpresa. Tomou o pequeno-almoço e pela janela observou o cinzento dominante no céu, talvez fosse aquele facto inusitado para um mês de verão que lhe proporcionava a estranha sensação.

Abriu a janela e confirmou que estava frio. Acompanhou o pólo e os jeans com uma camisola navy blue grossa, e dispôs-se a sair para um passeio matinal. Vagueou sozinho, como era normal, um costume que já o incomodava. Não se sentia bem sozinho, gostava de passear, mas sentia a falta de uma mão, um ombro, dois pés e uma voz, uma voz meiga.

As ruas estavam desertas, aqui e além, pessoas sozinhas vagueavam sem sentir, sem ver um destino. Olhou com curiosidade para alguns daqueles rostos. Expressões duras, algumas apáticas, perdidas, olhos escuros, sem luz. Que bom seria ver todas aquelas caras sorrindo, com esperança, olhar aqueles olhos e ver sonhos.

Mas não, era tudo cinzento, como aquela manhã. Pensou depois como estaria a sua cara, seria também o cinzento a cor dominante. Aproximou-se da montra de um café na expectativa de observar a sua expressão, mas ao mesmo tempo teve receio, receio de descobrir que era também assim que as pessoas com que se cruzava o viam.

Ganhou coragem, olhou e viu, viu aquilo que já sabia, mas há tanto tempo escondia. Os seus olhos espelhavam a morte, a morte da sua alma, dos seus sonhos, da esperança. A pele espelhava nos sulcos o desencanto de uma vida amarga e triste. A barba de dois dias e o cabelo descomposto pelo vento também não ajudavam.

Olhou com mais atenção procurando um sinal de esperança naquele rosto triste e cinzento, mas as suas tentativas intermináveis acabavam sempre num beco sem saída, no final de uma das rugas do seu rosto.

Foi então num momento mágico que reparou que alguém do lado do dentro do café o observava, possivelmente desde que parara em frente à montra. Era bonita, vestia uma camisola de lã grossa branco sujo, uns jeans e nas costas da cadeira onde se sentára repousava um impermeável.

Ela sorriu-lhe e com um gesto simples perguntou-lhe se queria tomar café. Os seus olhos recobraram a vida e um sorriso nasceu nos seus lábios.

Afinal, muitas vezes, é necessário apenas um gesto simples e sincero para dar nova vida a uma alma dorida e triste.


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