6 de setembro de 2004

O Telefonema - Uma Continuação (Parte II)

... do outro lado, apenas um silêncio insuportável, pontualmente cortado pelas características interferências da energia estática.

Após alguns momentos a ouvir o eco da sua própria voz que gritava "Estou!", "Tou sim!", sentiu-se engravidar pelo desespero da ausência de germinação na sua alma da luz da esperança, a esperança de que ele não a tivesse esquecido, afinal tudo tinha acontecido há..., há... tanto tempo.

Num momento de clímax desesperativo, sentiu que algo a penetrava sem dor. No seu ouvido uma voz de barítono lançava a semente das recordações e projectava-a para um futuro fértil de emoções e sentimentos.

A melodiosa voz iniciou então a fertilização daquele amor:

"- Olá, sei que não falamos há..., há... tanto tempo, mas por favor não me interrompas, afinal tenho tanto... tanto... tanto para te dizer.

É já muito o tempo, mas não esqueço os teus cabelos que junto ao farol agarravam com paixão o vento e os olhos aprisionavam no seu interior o mar, enquanto tu, tu pisavas a areia e nela deixavas enterrada uma promessa que até hoje não esqueci. Aquela mesma areia que foi o leito da minha paixão durante esta travessia solitária do deserto dos sentimentos amarrados num toque, numa carícia, num beijo que se dá e se recebe com a emoção contida de um amor frágil que caminha com segurança em direcção ao pôr-do-sol...

Não sei que é feito de ti, apenas este pedaço de papel engelhado e gasto de tanto o dedilhar me consolou durante este tempo, o facto de saber que te encontraria no final deste número e talvez a esperança de que ainda podíamos..."

O silêncio que escutava atentamente aquela confissão, nesse momento lançou-se abruptamente sobre as palavras que comeu com frenesim. Faminto, insaciável por outras vozes, outras palavras, ali permaneceu imóvel e vigilante, aguardando que lhe servissem mais uma dose de sentimentos…

Afinal, ainda havia tanto... tanto... tanto para dizer.



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