O Telefonema (Parte I)
Chegara finalmente ao escritório. O final da tarde aproximava-se a passos largos, tão largos, que era impossível acompanhar as pegadas longas, que conduziam os seus colegas em direcção ao ar puro e confortavelmente quente, o mesmo ar de onde ele vinha agora, cansado.
Seguiu o corredor em direcção ao seu refúgio, que paradoxalmente em alguns dias lhe parecia mais uma sala de tortura, na qual, montanhas de papéis e problemas grandes, pequenos e ínfimos, tal qual cilício cravado na carne, lhe infligiam dores muito superiores às suportáveis por muitos seres humanos, não físicas claro, mas mais imateriais.
Colocou a chave na porta e esta abriu-se. Não tinha necessitado dizer as palavras mágicas "abre-te sésamo", bastara um corriqueiro pedaço de metal moldado, para ser admitido naquele espaço que era temporariamente seu, sim como tudo o que possuía, era tudo temporário.
Percebeu que o seu espírito se preparava para divagar. Combateu o cansaço e com passos seguros torneou a secretária para se entregar sem resistência ao descanso nos braços da majestosa cadeira, uma daquelas a que só os chefes têm direito, mais uma vez e curiosamente também apenas temporariamente.
Olhou os papéis que simpática e tortuosamente alguém, na sua ausência lhe tinha colocado em cima da secretária. Passou os dedos e os olhos por eles desinteressadamente. Por fim, fitou o negro do ecrã do computador a seu lado. Rodou ligeiramente e no fundo do seu dedo ouviu-se um "clique".
Ao lado repousava a agenda, a malfadada agenda. Enquanto entre ruídos pouco audíveis, o computador se ajustava para obedecer às ordens do seu amo, passava as folhas da agenda alheadamente. Era uma daquelas agendas de folhas soltas, que apenas umas argolas insistem em manter em comunhão familiar.
Parou subitamente numa página. Apesar do seu aparente e consentido alheamento, algo naquela página o tinha retido. Não era a data, era banal como outra qualquer, era sim um nome que se fazia acompanhar por um número e muitas recordações. Era o número de telefone dela. Tentou perscrutar na sua memória há quanto tempo não falava com ela. Esforço inglório. Contudo sentiu que quer fosse pouco ou muito era já demasiado. Nesse momento outro pensamento assaltou-lhe a mente acompanhado por um ribombar, que nas colunas ligadas ao computador anunciavam a seu estado de: "às suas ordens chefe!".
Seria que ela se importaria que ele lhe telefonasse? Afinal já não falavam há..., há..., tanto tempo.
Na verdade sentia falta das longas conversas com ela, conversas simples e doces que sempre lhe davam uma sensação de alegria, segurança e pertença a um mundo que queria como seu.
Sentia saudades dela, era isso, eram saudades. Pensou em dizer-lho.
Estendeu a mão e agarrou o telefone, onde compassadamente foi martelando dígito, após dígito, até que por fim o número estava completo e do outro lado ouviu o inconfundível sinal de chamar:
piiiiiiiiiiiiii……piiiiiiiiiiiiiiii……piiiiiiiiiiiii.....
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