2 de setembro de 2004

O Telefonema (Parte II)

Enquanto aquele desesperante piiiiiiiiiii lhe invadia compassadamente o ouvido, o seu pensamento divagou embalado pela espera.

Tentava imaginar que tipo de toque lhe teria atribuído ela. Seria algum toque especial, ou simplesmente um toque banal, igual ao de todos os outros contactos indiferenciados da sua agenda telefónica. Sabia que ela tinha um telefone todo sofisticado, daqueles que só lhes falta mesmo falar, ou nem isso, pois até parece que falam, quando está alguém em linha do outro lado.

Começou então desfile de toques na sua imaginação. Talvez um prelimpimpim prelim prelim prelimpimpim, ou talvez um tiriritiriri, tiriri titi, ou até quem sabe um daqueles magníficos toques polifónicos, quem sabe uma música romântica...

A sua imaginação flutuava entre notas musicais organizadas em torno de diversas escalas musicais, mas o maravilhoso som do seu pensamento foi subitamente interrompido por uma voz feminina:

"O telemóvel não…"

Nesse instante sentiu que se afundava na cadeira, como se areia movediça o tivesse agarrado e puxava-o lentamente para uma prisão sem grades.

Lentamente pousou o telefone,



enquanto semicerrava os olhos numa expressão de desespero e dor. Aquele que seria o seu porto seguro, a sua salvação, o seu farol que o guiaria através do cansaço desse dia e lhe proporcionaria a sensação de liberdade, conforto, de pertença e de segurança que necessitava estava... simplesmente não estava lá.

Voltou o olhar agonizante para o ecrã do computador, mas logo uma luz resplandecente que desprendia do sorriso que embelezava o rosto que preenchia o fundo do seu ambiente de trabalho desferiu o estocada final, aquela que faria o sangue salgado libertar-se e correr no seu rosto. Um rosto triste, fatigado que reflectia a fraqueza que o assolava naquele instante e que era fruto da solidão, do isolamento que apenas encontrava par na solidão sofrida pelos faroleiros nos longínquos e isolados faróis.

Sem pensar forçou o estalar de mais um “clique” na ponta do dedo, como se isso o fosse confortar.

Onde estaria ela? - Pensou ele.

Ela que raramente se separava do seu telemóvel, era quase uma "telemóveldependente", uma viciada em comunicação. Teria visto o seu número e não tinha querido atender? Afinal já não falavam há..., há... tanto tempo.

Pensou em tentar novamente. Olhou fixamente para o telefone à sua frente e num gesto irreflectido, tocou a tecla de remarcação. Desta vez o enigmático sinal que todos os pensamentos, duvidas e ilusões permite e todas as esperanças alimenta tinha-se transformado num:

Pii..pii..pii..pii..pii..pii..pii..pii..pii..pii..pii..pii..

Definitivamente ela estava lá!


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