7 de setembro de 2004

Regresso Às Origens

Deitado no sofá olhava para a dramática cortina de veludo vermelha, que o isolava numa solidão relativa, falsamente encoberto dos olhares ameaçadores que do exterior da janela tentavam trespassar impiedosamente o espelhado dos vidros em direcção ao seu coração.

A mudança tinha sido um decisão longamente ponderada, muito sofrida e concordada, mas agora que olhava para aquelas paredes brancas, os cortinados levemente cinzentos e a grossa cortina de veludo, todo o conjunto, mais lhe parecia um subtil instrumento de tortura da sua alma já muito sofrida.

Tinha decorado aquele espaço da forma mais impessoal possível, começando nos traços desmaiados de violeta que se estendiam pelas paredes em formas que lembravam letras, passando pela alienação que se sentia preencher a união entre as peças que adornavam os parcos móveis que tinha decidido comprar e terminando na descoordenada e frágil harmonia de todo conjunto.

Inconscientemente procurava que aquela ausência de sentido calasse a voz que dentro de si clamava por tranquilidade, por paz e sossego. Estranho e falacioso aquele conforto que se obtém ao olhar caridosamente para o vazio absoluto, para a desgraça alheia.

Mas agora, uma voz pequenina dentro si piscava incessantemente como um farol a avisar do perigo de um naufrágio eminente.

Queria desviar o olhar, mas a superfície espelhada do mar não o deixava ignorar o olhar choroso e saudoso dos momentos vividos com entusiasmo e alegria e nos quais tinha sulcado aquele mesmo mar e vira reflectido nas suas águas a satisfação imensa que o seu rosto exalava e tal doença qual doença altamente contagiosa, infectava todos aqueles que com ele tinham a felicidade de se cruzar.

Não queria, não podia aceitar aquele sentimento, aquela vontade de voltar, de dar um passo atrás, de rodar sobre si e correr em direcção ao passado e do transformar num futuro, um futuro brilhante... simplesmente não podia aceitar, ainda doía, doía demais.

Mas como ignorar aquela luz ali à sua frente, simplesmente não podia, tinha de fazer algo, pois só o simples pensamento de voltar acendia em si sentimentos de alegria, e olhando para o espelho viu avivar-se no seu rosto um luminoso sorriso acanhado, envergonhado por uma racionalidade tortuosa, injusta, falsa e desleal com a sua necessidade de felicidade.

Gostava de pensar que nunca se arrependia das decisões que tomava e tão pouco se importava com que os outros pensavam e aquele era o momento de fazer das palavras, tantas vezes ocas e sem coragem a força que o levaria a rasgar as cortinas, pintar as paredes de azul, escolher umas cortinas cor-de-rosa e adornar as paredes nuas com uns tantos quadros com cores alegres e quem sabe talvez até comprar um espelho...

para nele poder observar o reflexo doce e meigo de um sorriso de felicidade interior.



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