21 de janeiro de 2005

... ou Talvez Não (VI)

Baixando-se pegou naquela garrafa que colocou sobre o braço. Arrastando o enorme peso da falésia sobre os seus ombros, seguiu em direcção à frágil escada de madeira que, num canto afastado, dava acesso a uma vereda que serpenteava escarpa acima até à base do farol. Junto ao início da escada encontrou um caixote de madeira onde, sem mais, deixou a coincidência que transportava sobre o braço e que marcava a dor da sua ingenuidade, uma inocência alimentada de esperança vã, esperança de um sonho que jamais se tornaria realidade.

Sem olhar para trás subiu até à base farol. Chegado aí sentou-se num muro que rodeava o esguio edifício e ficou a contemplar o mar que, como os seus sonhos, avançava e recuava, avançava e recuava, mas sem nunca conseguir ultrapassar a barreira do areal.

Enquanto permanecia contemplativo, meio anestesiado em relação ao mundo e às desilusões que o atingiam com a força de um tsunami sentiu um tremor no seu bolso. Era o telemóvel, prenúncio de algum terramoto, ou pior, talvez um maremoto. Levou a mão ao bolso, retirou o pequeno aparelho e olhou o visor. 919…… Não conhecia o número. Ficava sempre desconfiado quando não conhecia os números. Resolveu atender.

- Estou sim…

- Estou sim. Desculpe mas tinha uma chamada sua aqui no meu outro telemóvel.

- Desculpe mas deve ser engano eu não a conheço e como tal não lhe poderia ter ligado…

- Claro que ligou, pois apenas me limitei a responder ao número que me tinha ligado hoje pela manhã.

Nesse momento fez-se luz na sua cabeça. Seria ela a Brisa do Luar? A questão que se colocava naquele momento era como lhe perguntar sem fazer figura de parvo.

- Sabe realmente eu liguei para um número esta manhã, mas... foi algo especial … nem sei bem como explicar … sabe encontrei esse número…

- Não diga mais, encontrou a garrafa da Brisa do Luar.

- Foi isso mesmo!

- Sabe que há muito tempo que esperava por este telefonema? Foram já muitas as garrafas que larguei naquela praia na esperança que o acaso fizesse o seu trabalho numa coincidência esperada a desejada. É verdade não foi obra do acaso, foi antes a minha perseverança que não me deixava desistir quando, dia após dia as garrafas desapareciam no mar e o meu telemóvel continuava mudo. Mas nunca deixei de acreditar que as coincidências acontecem, principalmente quando não desistimos de as estimular e hoje parece que fui recompensada.

- Pois... tudo indica que sim. Mas como sabe que eu sou a pessoa a quem se destinava a garrafa e o acaso não colocou a garrafa noutra mão?

Do outro ouviu uma leve gargalhada à qual se seguiu a resposta.

- Porque, por coincidência preparava-me agora mesmo para ir lançar mais uma garrafa ao mar quando o vi sentado junto no muro do farol de telemóvel na mão…

Nesse momento ele virou-se e viu-a surgir por detrás do farol com uma garrafa na mão.

Afinal estava tudo explicado e, por coincidência ou não, sentiu que aquele momento marcava o início de uma relação muito especial.



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