5 de setembro de 2005

Farol da Vida (Capítulo 7)

No gabinete da Lindhout, Jaeger & Associates Architects, Pedro desviou o olhar do quadro que dominava a paisagem lateral esquerda do seu gabinete e mentalmente, começou a elaborar uma lista de prioridades. Após organizar virtualmente a lista pegou no telefone e marcou o número de Carla.

- Diga Sr. arquitecto…

- Carla, vá por favor ao gabinete da Dra. Manuela e traga-me os apontamentos da reunião com os clientes deste projecto.

- Vou já. – Respondeu ela.

Sem largar o telefone Pedro realizou imediatamente outra chamada. Do outro lado da linha surgiu uma voz feminina.

- Câmara Municipal, Gabinete de arquitectura e urbanismo, diga por favor. – Disse a voz do outro lado da linha.

- Estela, como está a minha estrela?

- Pedro Marta! – Exclamou ela com admiração. – A que devo tanta honra? Não será certamente para cumprir a promessa de me convidar para jantar, pois não?

Boa – pensou Pedro – tinha-se esquecido que ficara de levar Estela a jantar. E agora que iria dizer-lhe? Pedro permaneceu calado procurando desenfreadamente uma desculpa plausível, contudo foi Estela quem tomou a iniciativa de o desculpar.

- Bem sei que o menino anda muito ocupado. Também compreendo, ainda mais quando se tem uma chefe como essa bruxa velha, recauchutada à pressa em ginásios e clínicas de beleza.

Ufa! – pensou Pedro – ali estava a sua saída.

- Ainda bem que tu compreendes Estela. Sabes que os meus dias aqui no escritório não são fáceis…

- Imagino, imagino – interrompeu Estela – e então as noites ainda devem ser mais difíceis – disse Estela soltando uma risada.

- Mas julgo que não telefonas-te para falarmos das amarguras dos teus dias, nem certamente me quererás contar as aventuras das tuas noites. Destas últimas, e uma vez que insistes em não fazer de mim a protagonista, prefiro mesmo nem saber. Diz-me então o que necessitas.

- Estela, minha estrela (Pedro adorava aquele trocadilho), assim deixas-me sem jeito para te pedir mais um favor, fazes-me sentir como o vilão do conto que se aproveita de inocente donzela.

Estela soltou uma sonora gargalhada em resposta ao comentário de Pedro.

- Ai Pedro, não sei ao que achar mais piada, se a parte da inocente ou da donzela? Diz meu querido, o que eu não faria por ti… Mas é claro que não sou a única pois não?

- É claro que sim! Sabes que mais ninguém olha para mim como tu…

Estela soltou mais uma gargalhada que Pedro aproveitou para iniciar aquele que era o objectivo da sua chamada.

- Estela, hoje cheguei ao escritório e deparei com isto virado de pernas para o ar por causa de um projecto.

- Já sei do que se trata meu querido! A questão é esta. Para a área onde o vosso cliente quer construir o empreendimento a câmara apenas está disposta a licenciar uma obra. Acontece que, soube-se agora que um concorrente do vosso cliente tinha adquirido uma grande parcela de terreno na mesma zona e dizem as bocas às orelhas que ele se prepara para submeter o projecto a aprovação. Como tu bem sabes, por questões políticas e eleitorais o presidente nunca vai autorizar a construção de dois empreendimentos daquela volumetria naquela área. A questão que se coloca é saber qual aprovar.

- Estela, mas nós já tínhamos abordado o presidente e o vereador acerca deste empreendimento muito antes dessa notícia ser conhecida. Pareceu-me também que, tinha ficado um entendimento que a construção daquele empreendimento seria benéfica tanto para a autarquia como para o construtor, se é que me faço entender.

- Fazes sempre, meu querido, como eu te entendo. Tu é que não entendes ou finges que não compreendes esta minha necessidade de carinhos, meu lindo.

Estela não resistia a provocar Pedro, apesar de saber bem que, muito provavelmente, a sua relação nunca evoluiria para além do impasse em que se encontrava naquele momento. Recordava ainda o dia que Pedro entrou pela primeira vez no seu gabinete na Câmara. Impecavelmente vestido com um fato, possivelmente de um costureiro famoso, o cabelo ligeiramente longo, penteado de forma harmoniosamente despenteada e uns brilhantes olhos verdes, cheios de vida, tinham despertado os seus institutos femininos. Depois de um segundo olhar àquela silhueta alta e elegante, sentiu o sangue aflorar à superfície da pele, provocando ligeiros arrepios, sentido a sua pele contrair-se. A custo conseguiu manter a compostura, assegurando a atenção no diálogo que nesse momento mantinha ao telefone enquanto lhe fazia sinal para se sentar e aguardar.

Tentou manter a conversa pelo máximo tempo possível enquanto admirava Pedro pelo canto do olho, notando a sua impaciência que crescia a cada palavra que pronunciava. Após um longo período desligou e quando se preparava para lhe dar atenção o telefone tocou novamente. Rapidamente atende, fazendo mais uma vez sinal a Pedro, que entretanto se tinha levantado, para esperar. Por vontade dela aquela conversa deveria ter durado a manhã toda, pois assim conseguiria manter ali, bem perto de si, aquele deus grego, só lhe faltava mesmo ser loiro. Infelizmente a conversa terminou mais rapidamente do que ela alguma teria desejado. Pedro levantou-se, aproximou-se da sua mesa e começou a falar com ela. As suas palavras soavam a mel. Afinal ele não era simplesmente bonito e elegante, havia algo que não visível, mas que acentuava o seu charme e que transparecia da forma como falava. Estela deleitava-se com a doçura do mel das palavras de Pedro quando, subitamente, o telefone toca novamente. Foi então que aconteceu algo inesperado. Pedro lançou um olhar fulminante ao telefone, mas logo em seguida um brilho surgiu no seu rosto. Lançou a mão e atendeu ele o telefone. Depois de perguntar com quem queriam falar, muito diplomaticamente, sugeriu à pessoa que telefonasse dentro de dez minutos porque Estela tinha saído tratar de um assunto urgente. Então delicadamente pousou o telefone fora do descanso e disse: - Bem acho que agora só vai conseguir ter ouvidos para mim.

Noutras circunstâncias, Estela teria ficado furiosa, mas incrivelmente nem esboçou a menor intenção de reagir e acatou as indicações de Pedro. Ainda hoje lhe custava perceber o que tinha acontecido naquele dia. A brincar disse-lhe numa ocasião que ele a tinha hipnotizado no seu primeiro encontro.

Após aquele encontro, tinham saído algumas vezes e apesar de Estela achar Pedro admirável, sentia ao mesmo tempo que jamais conseguiria prendê-lo da forma como desejava. Foi essa constatação que a levou afastar-se de Pedro, embora desejasse ardentemente que ele lhe ligasse para a convidar para sair, usaria todas as suas forças para lhe dizer que não. Esta era a razão porque não estava aborrecida por ele não lhe ligar, por um lado até preferia deixar a sua relação estagnada naquele ponto.

Estela então continuou:

- Pedro, tu também deves entender que se o teu cliente tem sido generoso para com a Câmara e os seus responsáveis, o seu concorrente também, o que levanta um problema a quem tem de decidir. Então o que foi decido em “off” é que o projecto a ser aprovado será o que primeiro der entrada, para assim evitar melindres das partes. Só não percebo é como é que informação já chegou aí.

- Isso também não sei, nem me interessa. – Respondeu Pedro.

- Isso deve ser coisa da tua chefe, alguma conversa de balneário de ginásio certamente.

-Obrigado pela dica Estela e prometo que um dia destes telefono para te levar comigo a ofuscar o brilho das estrelas do céu num areal perdido à beira-mar.

- Por favor Pedro, não me prometas essas coisas. Sabes que essas promessas apenas servem para me avivar a luz arde dentro de mim a assim corro o risco de explodir como as estrelas que brilham demais…

- Desculpa Estela, mas tu sabes que tenho um carinho muito especial por ti…

- Eu sei Pedro, mas não é igual ao carinho que EU sinto por ti. – Frisou Estela - E tu sendo arquitecto, lidando com forças e resistências, sabes que, quando dois sentimentos, que é como quem diz forças, de intensidade diferente tendem a medir forças há sempre um que perde, e neste caso não há garantias que vença o mais forte, pois isso deixa estar as coisas como estão.

A conversa terminara ali. Pedro pensava como Estela era uma mulher extraordinária. Sentia até um sentimento de culpa por não poder corresponder ao amor que ela lhe dedicava. Pensou que a vida seria bem mais fácil se pudesse escolher a pessoa a quem amar, mas infelizmente não era assim.

Nesse momento e por influência daquele pensamento, lembrou-se de Manuela e como ela, naquele assunto particular, estaria de acordo consigo.

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