13 de setembro de 2005

Farol da Vida (Capítulo 8)

Nesse momento Carla bate à porta, entra e entrega-lhe as notas da reunião de Manuela com o cliente. Pedro concentrou toda a sua atenção nas notas, rabiscou umas considerações no bloco que sempre o acompanhava às reuniões, e em cuja capa se podia observar uma sublime fotografia de um farol.

Após alguns momentos de reflexão levantou-se, e saindo do gabinete com um passo seguro e confiante dirigiu-se à sala de reuniões. Era uma sala ampla com um pavimento em madeira de dois tons. Ao centro uma mesa comprida, ovalada, em madeira faia fazia conjunto com o soalho. Dispostas à volta da mesa, generosas poltronas revestidas a couro com apliques em madeira em dois tons, proporcionavam um toque harmonioso a todo o conjunto. Para rematar a decoração de sublime bom gosto, duas tapeçarias da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre, uma réplica de uma obra de Almada Negreiros e outra de Graça Morais.

Pedro colocou o primeiro pé dentro da sala e imediatamente ouviu a voz de Manuela.

- Agora que o Sr. Arquitecto Pedro Marta nos deu o privilégio da sua presença podemos dar início à reunião.

- Queira desculpar o meu atraso Sra. Arquitecta, mas estive a rever umas notas relativas a este projecto para melhor compreender as razões desta reunião – Defendeu-se Pedro.

Pedro lançou um olhar longo à sala procurando um lugar para se sentar. Nunca tenha percebido porquê (na verdade nunca tinha querido compreender) mas sistematicamente que se falava de uma reunião, os colegas precipitavam-se para a sala de reuniões e deixavam-lhe sempre um de dois lugares: à direita de Manuela ou o lugar na cabeceira da mesa no lado oposto a ela, de algum modo numa posição de desafio. Hoje coubera-lhe o lugar à direita da “chefe”. Possivelmente todos sabiam como acabaria aquela reunião. Não era a primeira vez que os trabalhos não seguiam o projecto delineado por Manuela e iam acabar nas mãos de Pedro. Era isso que todos aguardavam na sala, por isso lhe deram aquele lugar, suspeitavam que ela iria abandonar a sala e assim mais facilmente ele tomaria o lugar da presidência. Logo que Pedro se sentou Manuela começou a falar.

- Tomei a liberdade de convocar esta reunião para vos informar de que, o projecto de Cruzmat tem, a partir deste momento, prioridade máxima. Este é um projecto complexo que até este momento esteve inteiramente e exclusivamente sob a minha, alçada, contudo como todos sabem eu tenho de desempenhar outras funções neste escritório que requerem a minha inteira dedicação, pelo que, depois de ponderar decidi delegar no Sr. Arq. Pedro Marta a finalização do projecto, até porque, a parte mais complexa já está realizada. Confio, como sempre confiei, no vosso total empenhamento e dedicação para que a conclusão deste projecto seja realizada dentro dos prazos estabelecidos. Acredito não ser necessário ressaltar a importância do cumprimento dos compromissos assumidos com os clientes na nossa área de negócio. Assim sendo, e estando certa que o projecto fica nas mãos dos melhores técnicos existentes, vou deixar que seja o Sr. Arquitecto Pedro Marta a conduzir os trabalhos.

Dito isto, Manuela levantou-se e abandonou a sala. A porta fechou-se e Pedro preparava-se para continuar a reunião, quando alguém comentou.

- Esta situação começa a ser demasiado… “dejá vu”!

Pedro ignorou o comentário, mas não conseguiu evitar esboçar um clandestino sorriso de compreensão.

Manuela dirigiu-se para o seu gabinete furiosa com aquela situação. Não gostava de deixar fugir projectos, quanto mais entrega-los de mão beijada, mas dada a situação parecia-lhe que tinha tomado a decisão mais acertada e prudente para a sua imagem pessoal, bem como para a manutenção do estatuto da sua imaculada carreira. Contudo não conseguia deixar de pensar no assunto. Decidiu sair. No gabinete apanhou a carteira que fazia conjunto com os sapatos e com passo elegante, aquele capaz de arrepiar as pedras da calçada, dirigiu-se para a porta do escritório dizendo.

- Maria, volto depois do almoço. Se houver algo extremamente urgente – Sublinhou o extremamente - ligue-me para o telemóvel.

Chamou o elevador que estava estacionado cinco pisos abaixo. Colocou a chave que lhe permitia descer até à garagem e dirigiu-se para o seu carro. Abriu a porta do Mercedes SLK azul. Sentou-se, desceu a capota e arrancou fazendo chiar os pneus no piso cru e cinzento da garagem. Estava tensa, a forma como segurava o volante denunciava a sua agitação. Impaciente, batia com as pontas no volante enquanto aguardava que a porta da garagem abrisse. Por fim conseguiu sentir o ar, ainda levemente fresco, acariciar-lhe o rosto e pensou como desejava que aquela mão doce que a tocava de forma tão suave e intensa fosse a de Pedro. Acelerou junto à marginal, espremendo o acelerador debaixo dos seus luxuosos e elegantes sapatos. Conduziu junto à marginal, seguindo uma rota pré-definida.

Alguns minutos depois parou junto a um luxuoso prédio, na fachada do qual se podia ler “SPA & Fitness”. Procurou na carteira um cartão magnético que introduziu na ranhura. Instantes depois a pesada porta da garagem dava sinais de querer mexer. Conduziu o carro através da garagem labiríntica, estacionando o Mercedes junto a um pilar debaixo de uma lâmpada fluorescente. Fechou a capota, depois a porta e dirigiu-se ao elevador.

Entretanto no escritório, Pedro tinha realizado um balanço da situação, colhido as opiniões e preparava-se para dividir as tarefas. Antecipava que teriam de trabalhar toda a noite, pois apenas assim poderiam ter o projecto pronto para dar entrada no dia seguinte. De manhã tencionava reunir com o cliente, para durante a tarde dar entrada do processo na Câmara. O deadline exigiria um enorme esforço de todos, no entanto, Pedro percebia que algumas das pessoas presente tinham restrições, pelo que, aconselhou os presentes a avisarem as respectivas famílias.

Olhando a sala, Pedro sentiu a angústia nos olhos de Amélia. Amélia tinha um bebé com alguns meses. O dilema de escolher entre a obrigação com a empresa, a obrigação mãe e a vontade de estar com a sua criança dilaceravam-na por dentro. Pedro pressentia a dor de Amélia, até porque, sabia que Manuela nunca compreenderia que num momento tão importante para o escritório alguém pudesse colocar fosse o que fosse acima dos interesses da “Companhia”. Esse medo estava espelhado no silêncio de Amélia. Sem hesitar Pedro dirigiu-se à sala e em particular a Amélia.

- Amélia, necessito que me faça algo especial, pelo que se estiver de acordo vou deixa-la fora deste projecto.

A cabeça de Amélia começou a andar à roda. Se por um lado não percebia porque motivo teria de ficar fora do projecto, nem tão pouco lhe agradava, por outro aquela decisão de Pedro era o analgésico ideal para a sua angústia. Pedro, antes que Amélia tivesse a tentação de dizer algo que a prejudicasse apressou-se a encerrar o assunto e a reunião.

- Meus senhores, vamos ao trabalho. Amélia venha comigo que tenho algo urgente para si.

Com um sorriso maroto, Pedro acrescentou:

- Se estava a pensar que se livrava do trabalho pesado, estava enganada!

A sala esvaziou instantaneamente. Amélia caminhava ao lado de Pedro em direcção ao seu gabinete. Já no interior, Pedro rebuscou entre os seus papéis um projecto de execução que entregou a Amélia com um conjunto preciso de instruções daquilo que pretendia.

Depois de ouvir as indicações de Pedro, Amélia dirigiu-se para a porta. Ao chegar virou-se para Pedro, que estava agora sentado na sua secretária com a cabeça enfiada nos papéis, dizendo:

- Muito obrigado Sr. Arquitecto, em meu nome e em nome da minha família.

Pedro levantou a cabeça, olhou para Amélia e sorriu. Nesse momento pareceu-lhe que um rio estava em formação no canto do olho de Amélia. Pedro limitou-se a continuar a sorrir e por fim disse:

- Dê um beijo à sua pequenina por mim.

Amélia saiu fechando a porta, ao mesmo tempo que o sorriso alegre e terno com que iluminara o dia de Amélia desvanecia.

Naquele momento, Pedro lançou um olhar triste ao telefone e desejou ter uma família a quem telefonar para avisar.

Talvez um dia, talvez…

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