24 de dezembro de 2007

O Espírito do Natal

Não gosto de deixar passar o natal sem pintar as paredes deste farol com luzinhas cintilantes e coloridas. Este ano esteve mesmo para acontecer, a magia do Natal enganou-se e foi desembarcar noutro oceano. Mas como este é um farol mágico, a história repete-se a cá está a luzinha de Natal.

A luz fosca do final de tarde de Dezembro, espraiava os últimos raios através das vidraças do atelier. Sabiamente virado a Norte, Sul, Este e Oeste, dispunha de gigantescas janelas, pelo tamanho dir-se-ia que eram portas para gigantes. Aquelas descomunais janelas abocanhavam com a voracidade de um tubarão a luminosidade indispensável para captar a natureza, a alma das pessoas e objectos que iniciavam a cominho da imortalidade nas telas dos quadros.

Pedro deu dois passos atrás. Inclinou ligeiramente a cabeça para a esquerda, depois para a direita, como faria um daqueles especialistas de arte, que de especialista tem apenas a vaidade. Não tinha o aspecto típico de um pintor. O cabelo bem penteado, a baba aparada e a roupa perfeitamente comum, algo clássica mesmo. Na roupa nem uma gota de tinta. Pode parecer incrível, mas Pedro não era um pintor comum.

Esticou o braço e pousou o pincel sobre a mesa de apoio à sua direita. Descolou os dedos da paleta multicolor e deslizou-a até à mesma, cuidadosamente para não se pintar. Cerrou os olhos e contemplou com todo o esplendor da sua imaginação a obra que acabara de finalizar. Era o culminar de muitas horas de dedicação exclusiva, de esforços sem graduação, de emoções, de risos e choros convulsivos, de gritos, de desejos de raiva reprimidos, em suma, a dor e a alegria num só, um pouco como o amor.

Mas agora, que podia celebrar o ter chegado ao fim, agora sentia que tinha valido a pena, todo o esforço, toda a dedicação tinham-lhe proporcionado uma recompensa satisfatória. A sua obra-prima estava finalmente terminada. Recordava ainda as primeiras aulas de pintura. Aquele professor, que de pintor tinha só o título que ele próprio se atribuíra.

Uma verdadeira besta, era o que ele era.

Zurrava–lhes aos ouvidos palavras de incentivo que desanimavam o aluno mais talentoso e empenhado. Na sua cabeça estava ainda fresca, tão fresca quando a tinta da paleta que acabara pousar, a humilhação com que o presenteara num das primeiras aulas. Em alto e bom som , bradou na sua costas um pergunto.

- Ó Sr. Pedro, julgava eu que estava a dirigir uma academia de belas artes, mas olhando para os seus quadros fico com a sensação de estar a dirigir uma escola profissional para pintores….de paredes. Onde estava ao senhor quando Deus distribuiu o talento? Quem o convenceu que algum dia poderia vir a ser um pintor, era realmente um óptimo vendedor… ou então pensava que eu era Deus e fazia milagres.

Desde aquele dia tomou conta dele uma enorme raiva, a vontade de demonstrar que poderia ser um verdadeiro pintor, nem fosse por uma única vez e produzir uma obra de arte. E ali estava ele, em frente à sua obra de arte, uma verdadeira obra-prima na qual conseguira captar a essência mais pura, o que de mais autentico havia para captar no espírito do Natal.

Era esse o tema do seu quadro: O espírito do natal.

Sem luzinha coloridas, sem neve artificial, sem pai natal, sem renas com nariz vermelho e nome de pessoa, sem inovações, sem compras, sem corridas e partidas e chegadas, sem falsos e ocos cartões de boas festas, sem beijos hipócritas, sorrisos fictícios e doces que, de tão doces até amargam o verdadeiro sentido do Natal.

Era uma obra de contestação e sabia que, como tal, muitos a haveriam de criticar, humilhar mesmo, mas que lhe importava a ele, pois era assim que a sentia, como um grito de desespero e alerta para todos quantos tinham embarcado naquele cruzeiro maravilhoso em direcção a… pois esse era o verdadeiro problema, aquele cruzeiro não tinha destino fixo.

Abriu os olhos, e contemplou mais uma vez o quadro. Estava perfeito. O equilíbrio das formas, a harmonia das cores, a unicidade dos elementos, a sua organização, a profundidade, a consistência geral, a simetria, tudo, tudo perfeito.

Absorvido pela intensidade da emoção do seu trabalho não percebeu que alguém acabara de galgar o último degrau da escada do farol e penetrara na cúpula de cristal, agira transformada em atelier de pintura e observatório dão mundo.

A mão doce e suave enroscada na sua cintura, o leve beijo no pescoço acordaram-no para a realidade.

- Está acabado? – Perguntou ela.

- Que te parece? – Disse Pedro.

- Acho que está perfeito, querido.

- Eu também.

- Já tem um título? – Perguntou ela delicadamente.

- Sim vou chamar-lhe: “Espírito de Natal”. Que te parece?

- Parece-me que…que… te Amo.

- Eu também. - Disse ele abraçando-a. Ao longe, no horizonte o último raio de sol definhava dando lugar à noite escura, pintalgada no horizonte distante por luzinhas que piscavam anunciado o Natal dos homens.

No quadro, em fundo cru de tela, brilhava inexplicavelmente a palavra AMOR em grandes letras pretas!

Esse era o verdadeiro espírito do Natal, uma luzinha que, do cimo do farol, brilhava intensamente para todo o mundo.

Feliz Natal!

Crédito da imagem a este senhor.

Desculpem as gralhas, depois corrijo, afinal é Natal!


]]>