Tudo por um amor (in)certo (1)
Pensava suavemente na vida. Os dias corriam mornos numa viagem que o amor não compreendia. Viajar era algo que ela gostava particularmente de fazer. Sempre que podia fazia as malas e partia… só. A sua cumplicidade com a solidão, embora aceite não era perfeita. Uma relação atribulada. Aliás como todas. Feita de altos e baixos. Nos altos era uma relação saudável, aceitando cada uma a presença da outra. Diria mesmo que se desejavam mutuamente. Uma espécie de namoro proibido, mas de desejo pobre. Sem paixão.
Nos baixos… bem nos
baixos era a desarmonia total. A solidão, possessiva como só ela, exigia entrega
total, dedicação exclusiva, não admitindo intromissões. Eram momentos tensos queles
em que crescia a vontade de a estrangular. Mas logo, só, pensava no após. Na
saudade que viria a sentir da companhia que a solidão proporcionava à sua
independência e sem a qual se sentia acorrentada. Vivia assim, equilibrando malabaristicamente
os altos e baixos enquanto caminhava, só com a sua solidão pela fina corda bamba
da vida.
Num desses arrufos com a
solidão decidiu castigá-la. Vestiu um elegante e vestido, escolheu umas meias a
condizer, aprumou a maquilhagem, estreou um sorriso novo e marcou um encontro a
sós, com ela, a sua solidão. Chegaram ao local combinado, uma refrescante
esplanada, ao mesmo tempo. Parecia que tinham combinado. Uma coordenação
perfeita. Talvez esse fosse o principal motivo por que permaneciam juntas há
tanto tempo. Compreendiam-se mutuamente, diria mesmo que se complementavam.
Onde estava uma a outra aparecia sem se fazer anunciar. Estava sempre lá para
ela, com ela. E naquele dia, apesar do despeito que lhe queria fazer sentir,
ela não se esquivou a marcar presença, a estar lá com ela, por ela.
Sentou-se a seu lado. Juntas e sós ficaram a apreciar a morna da tarde enquanto admiravam as outras pessoas que sós ou acompanhadas fraternizavam naquele espaço. Entre as mesas cheias de risos e silêncios digitais partilhados observou que não estava só na companhia da solidão. Duas mesas à direita estava um cavalheiro, na verdade era um homem, ou assim parecia, mas chamá-lo de cavalheiro pareceu-lhe mais elegante e provocatório para a sua solidão. Esta imediatamente notou o interesse da sua alma gémea no cavalheiro e não gostou nada. Tentou atrair-lhe o olhar para outras mesas onde outros casais pareciam infelizmente acompanhados. Mas ela estava determinada a mostrar à sua solidão quem mandava. Exercitou a sua determinação e autorizou o olhar doce ir procurar a companhia cúmplice do olhar abstraído do misterioso homem.
Debruçado sobre a mesa, ele tomava notas
num bloco A5 de capa tenuemente bronzeada. De vez em quando erguia o olhar em
direção ao céu azul como se consultasse os astros em busca de respostas ou
inspiração. Em seguida voltava a fitar o bloco e a mão frenética desenhava
linhas curvas e retas no papel. À distância pareciam palavras. Pareciam e eram,
mas para ela era mais emocionante pensar que aqueles traços aprumados e
organizados poderiam ter um significado secreto. Poderia ser uma carta de amor,
um postal de despedida ou a nota de suicídio da solidão que acompanhava o
misterioso escritor.