12 de setembro de 2004

Ficção, ou nem por isso?

Li há dias num blog um palavreado sobre ansiedade, precipitações, andar devagar e conversas definitivas. Aquele texto e subsequentes comentários levaram-me a pensar que quando alguém vai com demasiada sede à fonte corre o risco de se engasgar.

Muni-me dos meus sentimentos mais mesquinhos, apelei aos meus institntos sanguinários e decidi empreender uma implacável caça ao culpado. Depois de uma avaliação leviana, como é desejável nestes casos, escolhi três alvos, ou suspeitos: a água, o bebedor e a sede.

Comecei então a congeminar o enredo, a criar os cenários, a fazer investigações e por fim parti para as induções e deduções, algumas lógicas, outras nem por isso.

Apontei como primeiro culpado a água. Era óbvio que se não houvesse água o bebedor nunca se teria engasgado. Tão claro como ela própria e sem qualquer sombra de dúvida ou gosot mais amargo. Mas depois, depois tive pena dela.

Que culpa tinha a água?

Ela que estava ali paradinha, pronto para satisfazer os desejos e necessidade sem pedir nada em troca. Mais, ela até estava ali numa missão altruista, a de assegurar a vida do bebedor.

Foi então óbvio que a culpa era do bebedor. Se este não tivesse sucumbido ao apelo seus sentimentos e impulsos carnais que lhe turvavam a razão, isto é, Se ele não tivesse ido beber a água nunca se teria engasgado. Como era possível não ver isso? Se o bebedor tivesse deixado a água sossegadinha e não tivesse decidido leva-la aos lábios com tamanha sofreguidão e rapidez, nunca se tinha engasgado. Talvez até tivesse conseguido saciar a sua sede, quem sabe?

A sede?

Pois, lembrei então que me tinha esquecido dela. O bebedor só foi ao encontro da água porque tinha sede! Ora afinal a grande culpada era a sede. Ela é que tinha instigado o bebedor a correr em direcção à agua e bebe-la com tamanha vontade, com medo que se acabasse antes de chegar ao fundo do copo.

Parecia resolvido o mistério, não fosse o facto de a sede ser um mecanismo de defesa do bebedor contra...

Foi precisamente aqui, que todo o raciocínio me pareceu uma cópia de uma hilariante farsa trágico-cómica, no binómio politico-jurídico português, em que a culpa morre sempre só e abandonada, apesar de as vitimas gritarem bem alto que elas não tiveram culpa nenhuma.

O resultado, esse, há muito que era definitivo, independentemente das conversas.


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