9 de setembro de 2004

A Incerteza

Naquela manhã chegou extemporaneamente ao aeroporto. Mais uma viagem profissional. Chegou de táxi, que o deixou na porta das partidas. Atravessou o hall sem pressas, deixando um olhar mais atento em cada loja com que se cruzava. Aproveitou para entrar no banco Totta para dar algumas instruções. Em seguida dirigiu-se à passadeira rolante acompanhado de perto pelo seu fiel amigo que o seguia para todo o lado, sempre a uma curta distância, o troley. Lá dentro apenas o indispensável para uma curta viagem de negócios. Já se habituara a viajar com pouca roupa, apenas um porta fatos e aquela pequena mala com algumas peças realmente imprescindíveis.

Subiu no tapete e virando à direita dirigiu-se ao balcão da TAP. Era sempre assim, alguém na empresa reservava os bilhetes que depois ia levantar ao chegar ao aeroporto. Destino desta viagem, o Brasil, Rio de Janeiro. Seriam apenas três dias, muito preenchidos, e duas noites ainda indefinidamente livres. Uma não o preocupava, mas a outra...

Era muito cedo, nessa manhã tinha madrugado e chegara ao aeroporto demasiado cedo. Aproveitou para tomar algo na cafeteria. Daquela posição privilegiada ia observando as pessoas, tentando adivinhar o seu destino e o motivo da viagem. Quanto ao seu, não valia o esforço, tendo apenas por companhia a pequena mala e um porta fatos, certamente que o motivo não seria o lazer. O destino esse era mais difícil, hoje era para ali, amanhã para acolá, depois e depois...

No início achou graça àquelas viagens, até fez um diário para ir anotando as milhas que ia percorrendo, mas após algum tempo tornou-se uma actividade desgastante, verdadeira missão impossível para a máquina de calcular que não tinha dígitos para somar tanta milha, foi aí que desistiu.

Bem, a verdade é que tinha grandes expectativas para esta viagem, não propriamente para a viagem, mas para a noite que o esperava no outro lado do atlântico. Correu para o balcão do check-in e anotou mentalmente a porta de embarque "gate 25".

Seguiu, um pouco nervoso, não, não era nervoso, na verdade era mesmo ansioso. Aquela viagem lembrava-lhe uma que tinha realizado uns anos antes. Tinha sido nesse mesmo voo que a tinha conhecido. Cruzaram-se na entrada do avião e logo nesse instante sentiu algo mágico quando os seus olhos transparentes se tocaram, uma espécie de faísca que lançou uma nova luz sobre a sua vida. Numa fracção de tempo infinitesimal, decidira enviar-lhe um sorriso, mas ao qual ela respondeu com a indiferença característica de quem está habituada a receber muitos sorrisos.

Mas não tinha desistido, sabia que teria um voo completo para lhe conquistar um sorriso. Assim foi, simpatia a simpatia, palavra a palavra, sorriso a sorriso, a verdade é que estavam juntos desde então e continuava hoje a sentir a mesma faísca cada vez que a olhava nos olhos.

Por fim, começara o embarque para o voo do Rio. Não era hora para estar com recordações. Mostrou o bilhete e seguiu pela manga de acesso ao avião. À porta uma simpática assistente dava as boas vindas ao passageiros. Olhou discretamente para ela e algo o atraiu nela. Cumprimentou-a e mais uma vez num fracção de tempo que não é admissível quantificar, tomou a opção de lhe enviar um beijo, quase imperceptível.

Não ouve resposta, que desilusão. Pensou se estaria a perder o seu charme com a idade. Optou por ignorar e foi procurar o seu lugar. Sentou-se, retirou umas folhas da sua amiga pessoal, uma pequena pasta, e começou a ler. A viagem iria ser longa e isso dar-lhe-ia tempo para avaliar alguns dos problemas que deveria resolver à chegada, apenas um continuava uma incógnita, a segunda noite.

Por fim descolaram em direcção ao rio e mal o piloto apagou o sinal da obrigatoriedade de usar o
cinto, aproveitou para chamar a assistente de bordo. Pobre assistente, não lhe tinha respondido ao beijo, mas estava decidido a confirmar a operacionalidade do seu charme. E assim foi toda a viagem, após alguns momentos de descanso, sentia aquele desafio de carregar no botão, o que fez uma, outra e outra e outra vez, talvez quem sabe a história se repetisse.

Mas, aparentemente não. Chegou ao Rio, sem conseguir dela nada mais do que uns "sim senhor", "Vou já provenciar", "Faça favor" e "Concerteza". À saída do avião, esboçou-lhe mais um sorriso fatal e murmurou "vou ficar três dias". A resposta foi inaudível, tal foi o silêncio que a boca dela emanou.

Apanhou a sua bagagem e dirigiu-se ao balcão do rent-a-car com que a empresa mantinha um contracto. Lá estava a reserva do carro para os próximos três dias. Saiu, foi buscar o carro e estacionou junto à porta das chegadas. Momentos depois saía a assistente do seu voo, aquela que tinha massacrado durante todo o voo. Esta ao vê-lo, dirigiu-se apressadamente ao carro para onde entrou. Imediatamente atirou-lhe:

- Seu descaradão, não se envergonha de assediar daquela forma uma senhora?

- Claro que não, de outra forma nunca te teria conhecido...

- Tens toda a razão e ainda hoje, quando me lembro, sinto um friozinho que percorre o meu corpo. Aquele foi um dos melhores momentos da minha vida, o instante em que te conheci. Sem ele continuaríamos os dois perdidos à deriva no mar das emoções sem um porto onde nos abrigarmos - Disse ela.

- Foi para ti e para mim, meu porto seguro. - disse-lhe ele enquanto uma das mão segurava a dela e outra lhe acariciava a sensualmente a perna.

- E então? Perguntou ainda ele.

- Consegui! - Disse ela enquanto lhe beijava os lábios - Troquei com uma colega e vou poder ficar contigo as duas noites.

Com aquelas palavras ela tinha dito tudo o que necessitava ouvir para ter a certeza que aquela seria uma viagem mágica.



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