6 de outubro de 2004

Dividir Sai Mais Em Conta, ou Pobres e Individados

Tenho consciência que o assunto que escolhi para hoje não se enquadra no tipo de textos que os meus leitores habituais estão familiarizados. Como também já tive oportunidade de frisar, este blog não tem propriamente uma linha editorial, como jádisse, escrevo sobre o que vejo, ouço e sinto, embora alguns assuntos tenham um peso mais relevante, como é aliás notório.

Sem mais delongas, vamos então falar do tema de hoje. O "culpado" por esta reflexão é o carteiro. Sim, pois este senhor, hoje, deixou-me uma carta que anexada trazia um folheto publicitário de uma instituição bancária (Millennium bcp – é certo que ninguém me paga a publicidade, mas também ninguém me proíbe de deixar aqui o nome do habilidosos responsáveis por esta campanha) onde se apelava à contracção de um crédito de seu nome "Crédito Regresso às Aulas".

Muito sucintamente o que estes senhores propõem é que compremos tudo o que desejarmos para o regresso às aulas (entre 1.500 e 3.500 euros) que eles financiam até 60 meses.

Até aqui tudo bem, não fosse começar a pensar que a duração (média) do material escolar (livros e restantes material acessório) bem como das propinas varia entre os 9 e os 12 meses (no máximo). Ora quer isto dizer que andarei a pagar durante mais, entre 51 a 48 meses, esse mesmo material.

Mais curioso é que, caso o banco me considere digno de tal, poderei acumular um crédito destes todos os anos para pagar os livros de um filho a estudar, ou seja, poderei acabar a pagar 5 créditos simultaneamente. Já gora, podem, como mero exercício mental, pensar que em vez de um filho têm dois ou três.

Claro que há ainda de referir a taxa de juro. Sim, porque a dita ajuda para o pagamento é determinada em condições similares às de um crédito pessoal, ou seja, considerando uma taxa base (nominal sem bonificações) de 13,5%, o que pode transformar-se numa Taxa Anual Efectiva Global (TAEG – representa a taxa de juro efectivamente suportada pelo cliente, isto é, a REAL considerando todos os custos associados ao crédito) de 32,47% (para um montante de 1.500,00 e 12 meses de prazo), quando a taxa de referência do banco central Europeu (a taxa a que os bancos se podem financiar junto deste) varia entre os 2,09% e os 2,385% (cotação de hoje).

Mesmo considerando a bonificação máxima concedida pelo banco (5%) a TAEG seria ainda para o mesmo crédito de 14,76%.

Exemplo:
Finalidade: Crédito Educação e Formação Profissional
Montante Pedido: € 1.500,00
Total dos Encargos: € 107,34
Montante do Financiamento: € 1.500,00
Prazo do Financiamento: 12 Meses
Valor da Prestação Mensal: € 134,71
Taxa Nominal (base): 13,50 %
Bonificação: 0,00 %
Taxa Nominal Bonificada: 13,50 %
Imposto de Selo sobre os juros: 4,00 %
TAEG: 32,47 %

Claro que, o que me escandaliza mais não é facto de o banco propor um crédito em tão "vantajosas" condições para que os "meninos" possam "estudar", nem tão pouco o facto de andar a pagar durante 5 anos manuais que são usados apenas durante aproximadamente 9 meses, nem ainda o facto destes manuais não terem um reaproveitamento digno do nome, o que mais me escandaliza é mesmo o facto de a educação e a formação "tendencialmente gratuita" que devia ser um direito de todos e um obrigação do Estado tenha de ser paga e de tal forma que contribua para o empobrecimento das já arruinadas famílias portuguesas.

Depois de toda esta descrição, que espero não tenha sido muito maçadora, continuo com a sensação que algo está mal, mas não consigo perceber com clareza o que é.

Talvez seja somente um problema meu... possivelmente ainda não vi a luz.


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