29 de setembro de 2004

A promessa (parte I)

Vira-a pela primeira vez numa manhã fresca de fim de verão. Era o início de mais um ano lectivo e foi deixar a sua sobrinha ao colégio. Não era normal, na verdade nunca tinha acontecido, mas naquela manhã, uma súbita birra tinha ditado a sua sorte, ou o seu azar.

Estava já terrivelmente atrasado, mas tudo à sua volta parecia desmoronar à sua passagem apressada, como uma pilha de caixas colocadas em pirâmide num qualquer hipermercado. Na sua cabeça, um pensamento dominava a sua agitação, o saber que mais lhe poderia acontecer nessa manhã, a primeira de trabalho depois das férias.

Chegou pontual e tocou à porta do colégio. Entrou e foi recebido por um longo sorriso de boas vindas, alguém que chamou a sua sobrinha pelo nome e lhe deu um beijo carinhoso. Depois ela olhou para ele e nesse momento, ele sentiu-se cegar às mãos da luz que os seus intensos olhos verdes irradiavam. Não conseguia apartar o olhar daquela luz. Estava literalmente cego, queria fugir mas não sabia por ou para onde. Procurou no chão sob os seus pés a segurança e a firmeza que escasseava ao seu pensamento.

Então a sua voz doce deu-lhe voz de partida:

- Se quiser, pode acompanha-la até à sala...

Leva-la até à sala, mas como? Se os seu cérebro se recusava a dar a ordem aos seus músculos para se afastarem daquela luz que o encantava e amarrava àquele porto que se parecia tão seguro.

Depois incontrolavelmente, começou a desenhar na sua cegueira a sua imagem completa. Pintou-lhe a pele num tom dourado, um dourado sol, elevou a sua cabeça a uns bons 1,60 do solo, para lhe colocar um cabelo castanho dourado, com o comprimento ideal para escorrer entre os seus dedos enquanto lhe acariciava o pescoço.

Sentiu que estava literalmente enfeitiçado e apenas uma magia pura o poderia libertar daquele sentimento que reprimia a sua acção.

Subitamente sentiu que um puxão na sua mão o arrancava daquele estado de letargia, ao mesmo tempo que uma doce e inocente voz feminina lhe indicava o caminho que não queria percorrer:

- Vem tio, vem comigo até à sala ver os meus amigos.

Dito isto sentiu-se arrastado pelo corredor como uma esfregona em direcção à sala, mas o seu pensamento permanecia bem alto, no topo do cabo apontado para trás, em direcção à luz que sentia brilhar nas suas costas.

À porta sala, depois de conhecer os amigos da sobrinha, deu-lhe um leve beijo e deixou-lhe uma promessa:

- Amanhã é tio que te vem trazer outra vez. É uma promessa!

Aquela era uma promessa que sentiu fazer, mais para si, do que para a sua sobrinha.



0 Comentários:

Enviar um comentário

<< Home

]]>