O Encontro (Parte II)
E foi aí, junto à montra da livraria, que a viu pela primeira vez, numa húmida manhã de Outono.
Ela descia a rua, na verdade também podia subir, pois do interior da leitaria a rua parecia perfeitamente plana. Trazia um passo rápido e seguro, ao mesmo tempo descontraído, característico de alguém que pisa com segurança os caminhos da vida, todavia o que realmente o apaixonou foi o sorriso que vertia, não dos seus lábios, mas sim do seu olhar transparente.
Parou em frente à livraria. Apreciava a exposição de um livro recentemente lançado. De costas e por baixo do chapéu que a abrigada da chuva espreitava uma madeixa de cabelo castanho claro, ligeiramente ondulado. A gabardina guardava religiosamente dos seus olhos gulosos, uma visão de um perfil genuinamente feminino. Apenas conseguiu distinguir uns escassos centímetros de perna envolta numa meia preta brilhante, com um bordado que à distância não conseguia reconhecer e que depois se escondia caprichosamente no interior do sapato, prolongando o salto, já por si esbelto.
Enquanto na sua imaginação ganhava corpo a inspiração que procurara nesse passeio coaxante ao encontro do Outono frio e chuvoso, que lhe ceifara as remanescentes hastes da quente e fogosa inspiração de verão, ela desapareceu no interior da livraria. Na sua mente, um furacão de ideias começou soprar em todas as direcções. Parecia procurar uma saída, um caminho que o conduzisse em direcção à livraria.
Colocou as mãos a cada lado da cabeça, numa tentativa desesperada de controlar aquele turbilhão de desejos e medos. Lançou um novo olhar à livraria, mas os olhos não quiseram mais descolar da montra, por onde conseguia vislumbrar uma sombra, apenas uma sombra feminina que conversava com um “Resende”.
Momentos depois, ela surgiu à porta e os olhos dele colaram-se instantaneamente ao sorriso cativante e vivaz que os seus olhos transportavam. Ela, a coberto do chapéu lançou um olhar instintivo para a montra da “Nacional”, num encontro casual com os olhos dele. Impulsiva e inconscientemente ele levantou a mão num gesto de cumprimento, que rapidamente transformou num sinal de convite. Ela hesitou, mas após uns segundos respondeu com passos seguros em direcção à porta da leitaria.
Deixou o chapéu no antiquado suporte de bengalas da entrada, sinal de outros tempos e hábitos, e foi ao seu encontro. Ele levantou-se e imediatamente apresentou desculpas.
- Peço desculpa pelo meu descaramento. Imagino o que estará a pensar neste momento, mas acredite que a confundi com alguém que conheço…
Aquele doce e perturbador sorriso no seu olhar desafiava a cada instante a sua capacidade de manter uma postura racionalmente educada.
- Pois acredite o senhor que é a pior desculpa que ouvi em toda a minha vida para meter conversa comigo.
Dito isto, soltou uma discreta gargalhada, que provocou nele uma tremenda alergia, pelo menos a julgar pelo tom vermelho que cobria agora o rosto dele. Ainda a tentar restabelecer-se da doença súbita que o atingira, procuro agarrar-se à derradeira hipótese de conseguir estabelecer com ela um diálogo.
- Também quero acreditar que sim, mas como prémio de consolação, podia aceitar, pelo menos, tomar um café comigo. Acredite que vou tentar ser um pouco menos desajeitado e prometo não a contagiar com este meu jeito torpe.
Sem dizer nada, ela deixou o sorriso dos olhos descair ligeiramente para ir iluminar os lábios sensuais.
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