30 de junho de 2004

O Último Segundo

Poderia acontecer em qualquer momento, mas não, nunca é assim. É o caso desta música que teimou em tocar num momento especialmente lindo e especial e ao mesmo tempo, duro e implacável. Aquele momento em que somos chamados à realidade, à mesma que tentamos negar, uma e outra vez.

Foi assim que ela marcou os últimos instantes de um momento intensamente carregado de emoções e Amor.

Bebiam juntos casa letra, cada palavra como se fosse o último sopro de ar que entra nos pulmões de um..., pois sabiam que ao último sopro daquela voz seriam devolvidos à realidade.

Ao ouvir novamente a música, compreendeu que era deles mesmo que ela falava, tinha sido escrita por alguém num outro tempo e espaço, mas estava-lhes destinada. Só assim se compreende que tenha teimado em tocar naquele momento que ficará para sempre imortalizado para eles, como esta música, que a partir daquele dia será sempre e só deles.

EMOÇÕES
Maria Bethânia

Quando eu estou aqui
Eu vivo esse momento lindo
Olhando pra você
E as mesmas emoções sentindo
São tantas já vividas
São momentos que eu não me esqueci
Detalhes de uma vida
Histórias que eu contei aqui
Amigos eu ganhei
Saudades eu senti partindo
E às vezes eu deixei
Você me ver chorar sorrindo
Sei tudo que o amor
É capaz de me dar
Eu sei, já sofri
Mas não deixo de amar
Se chorei ou se sofri
O importante é que emoções eu vivi
Mas eu estou aqui
Vivendo esse momento lindo
De frente pra você
E as emoções se repetindo
Em paz com a vida
E o que ela me traz
A fé que me faz
Otimista demais
Se chorei ou se sorri
O importante é que emoções eu vivi

Alguém acredita que foi por acaso?


Conversas de Luz

Sei que é normal contar-vos uma história, mas hoje isso não vai acontecer. Não é que não tenha uma história para vos contar, tenho sim, e que história...! Pensando bem, este nosso (ou vosso) faroleiro é todo ele uma história e amanhã (que é como quem diz, ainda hoje) vos contarei uma.

Agora deixo-vos apenas uma pequena cena de uma história que vos contarei um dia.

"...então, num momento de ternura, o sol, olhando fixamente a lua disse-lhe:
- A Luz nos une e tanto nos separa..."


Não me peçam mais por agora, simplesmente porque esta história, tenho a certeza, ainda terá muuuuuuiiiiiiiitos capítulos.

Para os mais cépticos, basta levantar o olhar para o céu e ver a luz.


29 de junho de 2004

A Luz da Verdade

Fora sem dúvida um momento único e irrepetível, aquele em que tinha visto a sereia. Já tinha ouvido contar muitas histórias sobre elas, principalmente a velhos marinheiros, mas ver uma...

Deu consigo a perguntar-se porque motivo tinha sido ele o escolhido. Na verdade não sabia bem se tinha sido ela que tinha escolhido estar naquele local naquele momento para ele a ver, ou se teria um capricho do acaso. Em qualquer dos casos não interessava, o que era importante é que a tinha visto.

Tal como o previsto o dia seguinte foi um dia lindo. Não poderia dizer com certeza, que fora o mais lindo da sua vida, talvez esse fosse mesmo o do seu nascimento, pois sem esse momento também único, nunca poderia ter-se deliciado com a visão daquela sereia de cabelo ondulados que sentada sobre a rocha olhou para ele.

Ao cair da tarde voltou a subir ao alto do farol, desta vez, já com os binóculos na mão. Voltou o olhar em direcção ao local onde a tinha avistado na última tarde, mas nada. Também a maré não tinha ajudado. Não tinha descido o suficiente para deixar à vista a rocha e o areal era incomparavelmente mais pequeno naquela tarde. Durante longas semanas, repetiu pontualmente a sua peregrinação ao cimo do farol em busca da sua sereia. Cada dia que passava sentia-se mais cansado e aumentava a sua resignação: ela tinha partido!

Numa tarde de Outono, daquelas em que o mar se agita como uma bandeira ao sabor do vento, decidiu, enquanto subia as escadas que aquela seria a sua última peregrinação, em busca da sua sereia. A tarde estava fria, nuvens pintadas de um cinzento muito carregado ameaçavam despenhar-se sobre a forma de chuva a qualquer momento. Ao chegar a cimo do farol, apertou o fecho da camisola de lã até esta lhe cobrir o pescoço e deu a volta ao varandim como de costume, mas ao chegar ao ponto em que o areal se tornaria visível, fechou os olhos. Simplesmente não queria ver, sabia que ela não estaria lá, até porque, a maré estava alta e não havia areal à vista. Dos seus olhos fechados caíram duas luzinhas que foram diluir-se furiosamente resignadas na água do mar.

Naquele momento uma cabeça emergiu da água, como que respondendo a um apelo. Tinham sido aquelas duas lágrimas que a tinham invocado. Olhou com os seus olhos azuis para o alto do farol e como se contivessem uma luz iluminaram o faroleiro que imediatamente abriu os seus e se debruçou sobre a protecção da plataforma.

Elevando-se graciosamente na água sorrindo, ela disse-lhe:

- Faroleiro, tu viste-me porque era essa a minha vontade. Agora desce.

Assim fez. Galgou as escadas, em caracol, do farol numa velocidade estonteante, de tal modo que, quando atingiu o fundo teve de se apoiar na parede, pois sentiu o chão fugir-lhe debaixo dos pés. Recompôs-se com a mesma velocidade com que tinha descido a escadaria e correu porta fora em direcção ao mar. Saltou por cima das enormes rochas que protegiam o farol da fúria das ondas. Uma onda mais caprichosa atingiu-o em cheio, deixando-o todo encharcado, mas não recuou nem um milímetro. Ao atingir o seu limite olhou o mar mas não a viu. Cansado sentou-se na rocha e pensou que afinal tudo não tinha passado de uma ilusão.

Eis senão quando do mar, junto à sua rocha, ela emerge aproxima-se dele e dá-lhe um beijo, voltando a imergir de seguida. Ficou paralisado, mas quando voltou a si pensou que mais uma vez tinha sonhado. Estava confuso. Sentiu algo na sua mão direita que permanecia fechada, Não lembrava de ter algo na mão. Abriu-a e espantado viu que continha as duas lágrimas que derramara sobre o mar, encerravas em dois cristais transparentes. Nesse momento compreendeu que para um sonho era tudo muito real.

A água fria acariciava-lhe a pele, enquanto pensava para si mesmo, que quando fosse mais velho poderia contar, como todos aqueles velhos marinheiros, que uma vez tinha visto um daqueles seres mágicos a que chamamos sereias e como ela o tinha beijado. Claro que ninguém acreditaria na sua história, tal como ninguém acredita nas daqueles velhos marinheiros.

Mas que lhe interessava isso, ele sabia que a sua história era verdadeira e isso bastava-lhe.


28 de junho de 2004

Amanhã

Estava preocupado. As notícias que ouvia na rádio não eram animadoras. Os pseudo senhores do tempo insistiam na possibilidade de uma grande borrasca para essa noite, que poderia inclusive estender-se por todo o dia seguinte.

Levantou-se, tinha de confirmar a operacionalidade de todos os sistemas do farol. Verificou que no piso inferior todas as portas e janelas estavam convenientemente fechadas, depois foi confirmar os geradores, cujo arranque testou três vezes, olhou o nível de gasóleo nos tanques que alimentavam os geradores. Seguiu-se a confirmação das lâmpadas de reserva. Tudo confirmado, sentiu-se mais descansado. Subiu as longas escadas que conduziam ao cimo do farol. Abriu a porta do varandim, apoiou as mãos sobre a protecção de ferro pintada de vermelho e inspirou fundo. Era normalmente assim que confirmava as previsões meteorológicas.

Começava a escurecer. Fixou o olhar no horizonte à procura de sinais da apregoada tempestade, mas nada, apenas via uma calma e uma serenidade nos astros como há muito tempo não se recordava. Deu uma volta completa ao farol. De repente parou e observou um vulto que estava sentado num pequeno areal retirado, entre as escarpas das rochas. Sabia pelos longos anos de experiência no farol, que aquele areal só ficava visível quando a maré baixava excepcionalmente e era completamente inacessível a partir da costa. Procurou com a vista uma qualquer embarcação que pudesse ter conduzido até aquele recanto, verdadeiro refúgio, aquela pessoa, mas nada, não se vislumbrava qualquer embarcação.

Admirado com tão singular acontecimento, penetrou no farol, de onde voltou instantes depois, transportando na mão uns binóculos que eram usados para vigilância. Aumentando a sua capacidade visual, voltou a olhar o pequeno areal. Para seu espanto, a pessoa que pouco tempo atrás estava sentada naquele areal já lá não estava. Procurou ao longo do areal e no mar sinais da embarcação, mas sem sucesso.

Desiludido, baixou os binóculos acompanhados pelo olhar, num gesto de apatia e derrota. Mas algo o fez voltar a olhar e foi recompensado. Lá estava o vulto, agora sentado sobre uma rocha que ficara a descoberto com a baixa da maré, tal qual um ilha que se afirma no meio do mar. Rapidamente levou os binóculos aos olhos e observou a misteriosa pessoa.

Era linda, com cabelos molhados e ondulados como o mar. Ela pressentindo que estava a ser observada olhou directamente para ele. Sentiu o seu olhar atravessar as grossas lentes de vidro dos binóculos. Tinha uns olhos incrivelmente azuis e transparentes como o mar. Nesse instante ela sorriu, virou-se e deu um salto para a água, deixando atrás de si reflexos prateados e dourados, gerados pelo encontro entre os últimos raios de sol e a sua pele.

Tinha visto uma sereia!

Naquele momento e independentemente do que os senhores da meteorologia pudessem dizer, tinha a certeza absoluta que o dia seguinte seria um dia lindo.


27 de junho de 2004

Também há dias...

em que parece que não sabemos fazer mais nada do que pedir desculpa.
Que grande m....!

Não liguem, "tou c'a telha", o mar está muito agitado!


Uma Nova Luz

Esta luzinha tem um pouco da luzinha de ontem, que no fim de contas nunca cheguei a acender por culpa do marinheiro Duende

É verdade que há coisas que acontecem mais devagar do que nós desejamos e também é
verdade que outras acontecem a um ritmo vertiginoso, tão grande, que só vemos que aconteceram depois de já terem acontecido. Nesse momento pergutamos a nós mesmos:

- Como é (foi) possível?

Claro que a explicação não existe, ou se existe nunca ninguém me a soube dizer. Talvez a explicação esteja em que cada coisa tenha o seu tempo próprio, como os intervalos da luz de um farol.


"Got My Mind Set On You"
GEORGE HARRISON

I got my mind set on you
I got my mind set on you
I got my mind set on you
I got my mind set on you

But it's gonna take money
A whole lotta spending money
It's gonne take plenty of money
To do it right child

It's gonna take time
A whole lot of precious time
It's gonna take patience and time, ummm
To do it, to do it, to do it, to do it, to do it,
To do it right child

I got my mind set on you
I got my mind set on you
I got my mind set on you
I got my mind set on you

And this time I know it's for real
The feelings that I feel
I know if I put my mind to it
I know that I really can do it

I got my mind set on you
Set on you
I got my mind set on you
Set on you


Admirável, não é!


26 de junho de 2004

A Paixão

Esta não era de longe nem de perto a luzinha que pensava acender hoje no farol. Mas um comentário à luz anterior anterior condicionou a minha opção.

Perguntam se o faroleiro está apaixonado.

A resposta é simples: está e sempre esteve! Melhor ainda, o faroleiro é um eterno apaixonado. Apaixonado pela vida, pelas pessoas, pelo convivio, pela amizade, pelas crianças, pelo sol, pela lua, pelas emoções, pelas palavras, pelo seu trabalho de acender luzinhas e muito especialmente, pelo mar e pela praia. Apaixonado por todas as coisas belas e até mesmo por algumas menos belas, no fundo por TUDO.

Aqui vos deixo mais esta luzinha, quem sabe se não será uma das últimas.


Beijo de Boa Noite

Deitava-se inconfessavelmente tarde. A noite sempre tinha exercido um grande fascínio sobre ele, o som do silêncio transmitia-lhe uma incomparável sensação de calma e serenidade só comparável à visão do mar numa noite de luar, com as ondas calmas, iluminadas pela luz do farol a estenderem os seus braços sobre a areia molhada.

Enquanto trabalhava, pensava nela.
- Onde estaria, como estaria, que pensaria, que vestiria?

Uma gargalhada sonora cortou o silêncio da noite. Estava a imagina-la enfiada debaixo do édredon com um pequeno candeeiro a ler uma história, daquelas que nunca confessaríamos ler. Puxou um pouco mais pela sua imaginação e conseguiu vê-la com uma T-Shirt branca, com letras vermelhas dizendo "I'm Sexy". Achou que deveria estar assim mesmo, Sexy. Ainda tentou ver mais, mas naquele momento, foi chamado de volta ao seu trabalho. Resmungou:
- Logo agora, bolas!

Abanou a cabeça, disse um palavrão e concentrou-se nas folhas à sua frente, queria terminar aquele trabalho o mais rapidamente possível, não que estivesse cansado, mas era tarde.

A sua concentração durou poucos instantes. Deitou um olhar ao telemóvel que imóvel à sua frente nem se atrevia a vibrar e pensou em ligar-lhe, mas já era tarde, achou melhor não o fazer, provavelmente teria o telemóvel desligado, o mais certo era já dormir. Ela deitava-se muito cedo, ao contrário dele. Voltou a olhar e pensou:
- Que se lixe, vou tentar!

Pegou no telemóvel e ligou, ao segundo toque ela atendeu, falando baixinho:
- Estou! Isto é que são horas de ligar? Não sabes que os meus pais dormem no quarto ao lado?

Ele sereno ao sentir o seu sorriso do outro lado, disse:
- Sei, mas queria falar contigo. Vai ser rápido, é só para te dar um beijo de boa noite!

Ela sorriu e respondeu instintivamente:
- Também tinha vontade de falar contigo e dar-te um beijo.

Assim continuaram a falar por baixo do édredon durante longos, longos, muito longos minutos.

Provavelmente, aquele tinha sido o mais longo e belo beijo de boa noite das suas vidas.


25 de junho de 2004

Tempestade Súbita

Levantou-se uma tempestade súbita. O mar estava agitado, o céu escureceu e o farol permanecia apagado. Tinha decidido acender a luz do farol. Não que houvesse marinheiros em perigo, nada disso, simplesmente apetecia-lhe acender a luz.

Mas felizmente, algum tempo depois o vento amainou e o mar voltou à serena calma que tantas histórias inspira.

Assim o farol vai permanecer apagado, pelo menos até à noite.


A Resposta

A noite tinha-se instalado. Olhou pela janela do quarto de hotel. Ao fundo, iluminado pela luz do farol, estava o mar, inacreditavelmente calmo. Devia vestir-se e ir jantar, mas o laptop aberto sobre a mesa prendia-o aquele quarto, faltava-lhe aquele e-mail que esperara todo o dia.

Finalmente decidiu que tinha de sair. Abriu o roupeiro e escolheu umas calças desportivas, claras, um pólo escuro e sobre os ombros ajustou uma camisola de algodão azul. Enfiou os pés nos sapatos vela e olhou o espelho com um ar desencantado. A sua expressão não conseguiu disfarçar o seu cansaço. Espreitou uma última vez o laptop, que encerrou com um murmúrio de desilusão. Fechou a porta sem olhar para trás, como quem deseja partir com o mínimo sofrimento possível. Dirigiu-se ao elevador. No corredor cruzou-se com umas estrangeiras que o olharam e disseram algo que não conseguiu perceber e depois riram. Noutro momento teria sorrido, mas naquele dia só pensava na resposta que ansiava e que não chegara.

Solicitou delicadamente ao elevador que o levasse ao piso do restaurante do hotel. Mas este caprichosamente decidiu não lhe fazer a vontade e foi parar na recepção. Quando a porta abriu, saiu, sem saber bem porquê, dirigiu-se à porta e foi acordar a deambular pela marginal com as mãos nos bolsos, tentando pontapear todas a pedras da calçada que levantavam a cabeça.

Sentiu fome, e lembrou-se que ia jantar. Escolheu um restaurante com vista para o mar. Pediu para se sentar numa mesa em frente à janela, mas infelizmente estavam todas ocupadas. Sentou-se no bar, enquanto aguardava pela mesa. Tinha de ser aquela, qualquer outra não lhe servia.

Finalmente a mesa ficou livre e pode por fim repousar. Sentou-se deixando a janela e o mar à sua esquerda. Pediu a ementa e escolheu um prato de bacalhau. Enquanto aguardava, olhou a praia, onde um grupo de jovens parecia preparar uma festa. O empregado aproximou-se e pediu-lhe um fino. Apetecia-lhe saborear algo amargo, talvez desse modo conseguisse apagar sensação amarga que o invadia.

Algum tempo depois, chegava finalmente o jantar. Reparou então que tinha pedido bacalhau com natas, "- logo com natas! Lá vai a minha dieta", pensou. Momentos depois o solícito empregado aproxima-se novamente, trazendo na mão um prato e um conjunto de talheres que coloca à sua frente.

Visivelmente surpreso, consegue ainda articular umas palavras ao empregado:
- Desculpe..., mas não espero ninguém para jantar.

Calmamente o empregado continua a ajeitar os talheres e os copos em volta do prato. Por fim olha para ele e apontando para a porta, reponde:

-A resposta que o senhor aguardou todo o dia acabou de chegar.

Era a sua resposta, que com um grande sorriso a iluminar-lhe o rosto correu para ele abraçando-o.


23 de junho de 2004

A Esplanada

Sentado numa esplanada, folheava o jornal com um evidente ar desinteressado. Os seus olhos pendiam em direcção ao mar que à sua frente se divertia com a alegria das brincadeiras das crianças e com a preocupação dos pais.
O fino à sua frente aquecia moderadamente, graças à sombra do toldo raiado a azul e branco.

Dobrou cuidadosamente o jornal pelo meio, colocando-o sobre uma cadeira que repousava desocupada a seu lado. Abstraiu-se do meio envolvente, e ficou ali como uma estátua que contempla de forma impassível a vida. Na sua mente uma torrente de pensamentos, que procurava compor, como quem procura encaixar as peças de um puzzle, na verdade aquele era mais um quebra-cabeças. As palavras inscritas na T-Shirt branca, que acompanhava as bermudas azuis, aclaravam qualquer dúvida "HELP ME, I'M LOST", por baixo, em letras mais pequenas:"Special message only for girls"

Foi acordado por uma voz que a seu lado lhe disse:

- Desculpe, esta cadeira está ocupada?

Sobressaltado, olhou para ela. Tinha o cabelo ondulado como o mar, com reflexos de luz do sol. Não aparentava ter mais de 25 anos, era mais nova que ele, isso de certeza. Olhou-a de alto a baixo com um ar provocador, que lhe valeu de imediato uma expressão de reprovação, ainda mais depois dela ler a mensagem estampada no seu peito. Por fim disse:

- Não, não está, pode sentar-se!

Ela sorrindo agradeceu-lhe e delicadamente recusou, dizendo que não procurava companhia, apenas lhe interessava a cadeira.

- Nesse caso... - respondeu ele, enquanto apanhava o jornal que repousava na cadeira, para o colocar sobre a mesa.

Ela sentou-se noutra mesa de frente para ele acompanhada por uma amiga, que por mérito exclusivo de seus pais não conseguia passar despercebida . Enquanto elas conversavam não podia deixar de reparar na forma como sorria. O seu sorriso tinha uma doçura especial, encerrava um reflexo de inocência ou a promessa de alegria eterna. Não conseguia afastar o olhar, daquele sorriso. Ela notou o seu olhar e ele, fingindo-se embaraçado, procurava disfarçar o pior que podia e sabia.

Assim estiveram algum tempo, até que a amiga dela se despediu e desceu a escadaria da esplanada em direcção ao areal.

Nesse momento, ele levantou-se e dirigiu-se à mesa dela. Lançou-lhe um olhar brincalhão, ao qual ela respondeu com um sorriso. Então ele, sentando-se na cadeira que a amiga tinha deixado vaga, perguntou:

- Sinto que conheço esse sorriso, mas não consigo lembrar-me de onde?

Ela sorrindo ainda mais, disse:

- És mesmo maluco...


22 de junho de 2004

Farol Apagado

Um farol deve ser confiável.

É por isso que estou agora aqui, para informar os poucos navegantes que assiduamente aqui vêm à procura da Luz deste Farol, que pelo menos amanhã o Farol estará apagado.

Não se preocupem todos aqueles, poucos, para quem a Luz do Farol já se tornou imprescindível, não será um apagão permanente, pensem que é um upgrade para aumentar a potência.

Vamos ver se cumprimos os prazos para as obras.

O Faroleiro


Há dias...

em que algumas músicas brilham com uma intensidade diferente nos nossos ouvidos. Hoje foi esta:

Aqui ao Luar

Ela sorriu e ele foi atrás
Ela despiu-o e ela o satisfaz
Passa a noite
passa o dia devagar
já é dia
já é hora de voltar

Aqui ao luar ao pé de ti
ao pé do mar
só o sonho fica
só ele pode ficar


21 de junho de 2004

O Encontro

Tinham combinado em encontro. Ela tinha-lhe prometido um passeio à beira mar.

Ele chegou com uma pontualidade rigorosamente britânica. Estacionou o carro, mesmo em frente à escadaria que dava acesso ao areal. Olhou em redor procurando-a, definitivamente ela ainda não tinha chegado. Olhou relógio e confirmou a sua pontualidade. Descalçou os ténis, que deixou estacionados no carro. Saiu descalço e dirigiu-se à praia. Parou no topo da escadaria e olhou o mar com visível ansiedade. Desceu os poucos degraus que o separavam do ansiado passeio e sentou-se no último degrau, enterrou os pés na areia procurando alguma segurança.

Impaciente, olhou novamente o relógio e pensou que ela deveria estar a chegar. Ali permaneceu a olhar o mar. Algumas gaivotas aproveitavam a solidão da praia naquele dia de final de verão para passear no areal, outrora repleto de gente. Era Setembro, a praia perdera o brilho do pico do verão, em que centenas de pessoas se amontoam num stress diabólico à procura de um cantinho para estender uma toalha e aliviar o stress do dia-a-dia.

A praia era agora portadora de um brilho diferente, a calma, o silêncio, o deambular das gaivotas, tudo aquilo o remetia para um mundo imaginário, parecia um sonho. Mais um piscar de olhos ao relógio e verificou que ela estava atrasada. A mão procurou no bolso dos jeans o telemóvel. Com ele na mão confirmou que não havia mensagens, nem tão pouco chamadas perdidas. Introduziu um número, mas antes de pressionar a tecla final, aquela que os colocaria em comunhão, desistiu. Enterrou-o no fundo do bolso, lançou as mãos ao fundo das calças onde fez duas dobras em cada perna. Ergueu-se e caminhou em direcção ao mar. Sentiu primeiro a sensação da areia húmida sobre os pés, deu mais uns passos e deixou a água acariciar-lhe os pés. Estava fria, mas ele parecia nem notar, estava muito longe.

Decidiu começar o prometido passeio sozinho, acompanhado somente pela dor de estar só. Olhou para norte, depois para sul, procurando um sinal do rumo a seguir. O Farol no cimo da falésia, a sul, foi decisivo na sua decisão.

Caminhou lentamente enterrando os pés na areia molhada. Atrás de si as ondas, teimavam em apagar os sinais da sua caminhada solitária. Os seus olhos saltitavam entre a imagem do farol, que imponentemente parecia desafiar o oceano e a beleza daquele mar salpicado aqui e além de branco. Enquanto caminhava procurava não pensar em nada, mas era difícil, aquela dor de estar só não o queria abandonar.

Foi então que atrás de si uma voz disse:

- Não me esperaste?

Ele voltou-se, ali estava ela, vestia uma blusa branca como a espuma do mar e uma saia curta, azul, na mão os sapatos. Ele olhou os seus olhos transparentes e respondeu:

- Acho que toda a minha vida te esperei!


Bem, obrigado.

No espaço de uma semana, é a segunda vez que alguém deixa uma luzinha no correio do farol.
Curioso é que a cor das duas luzinhas é semelhante....

Relativamente à primeira decidi não fazer qualquer comentário, mas agora chega!

Se não gostam da linha deste blog, por favor não insistam em perseguir a Luz deste Farol, a Internet está tão atulhada de conteúdos "interessantes", como aqueles que me sugerem, porque insistem em vir ler o que escrevo? Vão perseguir outras luzes!

Num ponto têm razão, estes post's não têm montanhas de comentários, mas porque motivo teriam de ter?

Julgam que o contador de comentários funciona como um indicador do tamanho do meu ego?

Não sei quem lê, nem sei se gostam, escrevo porque me apetece.

Para não me alongar, porque o assunto não o merece, aconselho uma leitura ao arquivo do farol, mais precisamente ao segundo post, cujo título é "Aviso à navegação".

Para que não restem dúvidas, o farol vai continuar bem firme no seu lugar, apesar das investidas.


20 de junho de 2004

Pôr-do-sol

Percorriam as ruas irregularmente empedradas da pequena vila. Não tinham um rumo definido, mas uma força arrastava-os em sentido descendente, sentiam que lá ao fundo estaria o mar. Numa ruela estreita foram invadidos pelo odor característico do frango de churrasco, não se tinham enganado, um pouco mais à frente, lá estava "Churrasqueira Tomás -especialidade: frango de churrasco".

Saciados pelo odor daquela rua seguiram o seu caminho. Não era propriamente verão, nas ruas pouco movimentadas, apenas algumas pessoas, tal como eles, passeavam, apesar do céu ter uma cor azul, um azul cristalino e o sol brilhar saudavelmente.

Por fim atingiram a marginal, num ponto em que a protecção natural das rochas tinha formado um pequeno areal, uma baía de areia, genuíno porto de abrigo para banhistas. Sentaram-se numa ponta do muro. Começava a sentir-se o frio característico de um final de tarde primaveril, mas as grossas camisolas de lã, de um branco sujo a dela e Navy Blue a dele, cumpriam sublimemente a sua função.

Sentaram-se longitudinalmente no muro, ele encostou-se a um pilar, abriu as pernas e ela encaixou-se entre as pernas dele, pousando a sua nuca no seu peito. Ele introduziu as suas mãos por baixo da camisola dela, indo repousar sobre o seu ventre num terno abraço. Ela colocou as suas mãos sobre as dele, por cima da camisola e ali permaneceram. Tinham tanto para dizer um ao outro, mas incompreensivelmente permaneceram em silêncio. Ouviam o doce ritmo do cantar das ondas a cada tentativa de reconduzir a água até à mãe terra.

Era curioso aquele ciclo da água, enquanto permanecia na terra, a água tudo fazia e todos os obstáculos procurava suplantar para atingir o conforto familiar que o mar lhe proporcionava e uma vez ali, parecia que o desejo era voltar novamente para os braços da mãe.

Ao longe, o sol parecia querer desesperadamente afogar-se no mar.
Assim permaneceram durante algum tempo, trocando carícias por baixo da camisola de lã. No momento em que o sol se entregava definitivamente ao mar, ela girou sobre si, ficando de frente para ele. Passou as suas pernas por baixo das dele até que estas o abraçaram e as dele a ela. Ele acariciou-lhe o rosto e ela sorriu. Aquele sorriso era mágico, emanava uma luz intensa que lhe proporcionava sempre uma serenidade imediata.

Enquanto ele olhava profundamente para os seus olhos transparentes, ela sem deixar de sorrir, tomou a iniciativa, aproximou os seus lábios dos dele, e beijou-o docemente.

Estava tudo dito.


19 de junho de 2004

Amanhecer

Acordou repentinamente. Instintivamente sentiu que tinha dormido pouco. Virou o olhar em direcção ao relógio em busca da confirmação e lá estava ela, 06:15, assinalava ele. Contudo, estava estranhamente fresco, apesar da enorme luta que travara nessa noite contra um mar revolto e caprichoso, que terminou já muito depois da 02:00, quando finalmente tinha conseguido lançar a âncora naquela baía, verdadeiro Porto Seguro.
Saltou da cama e o cheiro de café fresco invadiu-lhe o paladar. Lá fora o dia conversava com a noite e dizia-lhe que era hora de partir.

Preparou uma chávena de café bem doce, enquanto se vestia. De chávena na mão, subiu os degraus do convés, onde se sentou. Pousou com cuidado a chávena fumegante a seu lado e contemplou em silêncio o despertar de um novo dia. A imaculada calma dessa manhã era apenas cortada pelo chap...chap, produzido pelas ondas do mar a cada investida sobre o casco do pequeno veleiro.

A brisa do mar soprava, levou a chávena à boca e momentaneamente sentiu frio, nesse instante sentiu pousar algo sobre os seus ombros e atrás de si, uma voz meiga disse,

- Agasalha-te, que ainda está frio!

Ela sentou-se a seu lado. Ele rodeou-a com o seu braço e puxou-a para si. Estendeu-lhe a manta que ela lhe tinha colocado sobre os ombros e de mãos dadas ali ficaram, em silêncio, a observar como o dia nascia.

Os raios de sol iluminavam os seus rostos, mas na cabeça dele, pequenos barcos de papel pareciam continuar a luta anterior, dessa noite, contra um mar revolto e tantas vezes injusto.

Foi num desses momentos que olhou para ela e sentiu-se mergulhar nos seus olhos azul-turquesa, enquanto pensava se lhe devia dizer que a amava, afinal aquela era a sua primeira viagem juntos...

Ela, olhando-o com uma expressão meiga, num gesto de ternura, pousou suavemente dois dedos sobre os seus lábios e murmurou:

- Eu sei, sempre soube!


A Perfeição (Epílogo)

Na verdade as peças produzidas por Mestre Damião encaixavam com uma rara precisão. Eram como duas peças de um puzzle, que só encaixam perfeitamente uma na outra. 

Nessa manhã, pontualmente atrasados, chegaram os ajudantes de Mestre Damião. Inicialmente estranharam a sua ausência, mas mecanicamente começaram as tarefas de rotina sem perceberem a estranha, mas ao mesmo tempo bonita e serena luz que embelezava a oficina nessa manhã. 

  Foi então que, ao preparar mais uma encomenda, cega à luz que a singular união gerava, a mão escura e fria de um dos seus ajudantes pegou nas duas peças e separando-as, colocou-as em caixas diferentes.


18 de junho de 2004

A Perfeição (Parte I)

Mestre Damião tinha acabado de jantar, mas nesse dia sentia-se particularmente insatisfeito. Não era um sentimento novo, há vários dias que vinha a sentir uma sensação de desconforto no fim de cada dia de trabalho na sua oficina. 

Mestre Damião era um reputado e apreciado artesão, que talhava em vulgares pedaços de madeira objectos de invulgar beleza e perfeição. Ultimamente não conseguia encontrar a mesma satisfação nas obras que das suas mãos brotavam como a água brota da fonte, naturalmente. Por vezes, sentia que as forças se lhe escapavam pelas pontas dos dedos, pressentia que não poderia continuar por muito mais tempo a dar vida aqueles pedaços de outras vidas. Seria certamente também uma tristeza, para todos aqueles que tinham o raro privilégio de as poder apreciar. Tinha tentando ensinar a sua arte a diversos aprendizes, que tinham mostrado interesse em aprender como se dava uma nova vida a pedaços de madeira condenados a morrer noutras mãos. 

Contudo, Mestre Damião, cedo percebeu que a sua tarefa era complexa, pois não conseguia que as peças que da sua mente ganhavam forma e eram moldadas pelas mãos dos seus ajudantes atingissem o mesmo brilho, o brilho de uma rara beleza cheia de vida que iluminava todas as suas criações. Pensou que fosse a forma mecânica e distante com que estes olhavam para os pedaços de madeira que golpeavam uma e outra vez, até estes atingirem a forma definitiva. De repente compreendeu a razão da sua insatisfação. As suas peças reflectiam igualmente a mecanização que tanto repudiava nos seus ajudantes. 

Com a sensação das forças a fluir de forma descontrolada pelos dedos, sentiu que tinha pouco tempo para criar uma peça especial e única, cujo brilho ofuscasse o de todas as outras peças. Apressadamente, levantou-se e dirigiu-se à porta da cozinha que abriu de rompante. Atravessou o pátio e entrou na sua oficina determinado a criar a peça "perfeita". 

Sentou-se na sua bancada, lançou a mão à caixa dos pedaços de outras vidas. Puxou por um pedaço de madeira que colocou em cima da bancada. Olhou com atenção para a vida que tenha à frente, enquanto a sua mente tentava descobrir a "forma perfeita". Ao virar aquele pedaço de madeira, viu que na verdade não era um, mas dois pedaços, que estavam ligados de uma forma estranha e incompreensível. Foi nesse instante que decidiu, que não seria uma, mas sim duas peças que reflectiriam a beleza e simplicidade daquela união. 

Já era quase manhã, quando Mestre Damião terminou a sua obra. Ao olhar para aquelas peças sentiu-se invadido por uma onda de satisfação. Os pedaços de madeira tinham cada um, uma nova vida, uma vida própria e independente, mas o seu brilho adquiriu outra intensidade e força quando se juntavam. 

Mestre Damião, juntava e separava as peças como uma criança, monta e desmonta repetidamente um brinquedo, sabendo sempre qual será o resultado final. Finalmente sentiu-se cansado quando o sol da manhã lhe deu um carinhoso beijo de bom dia. Deixou aquelas novas vidas em cima da sua bancada e pausadamente saiu da oficina, atravessou o pátio e entrou em casa, decidido a descansar.

Finalmente poderia descansar.


Só uma frase...

A luz que vemos é o reflexo do que sentimos.

Simples, não é?


17 de junho de 2004

Luz do Despertar

Como uma luz intensa que nos acorda de repente, hoje despertei com esta música no ouvido.
Cantei-a repetidamente, como um velho disco de vinyl riscado, até que a certa altura, o meu companheiro de viagem me disse:

- Cala-te, que já não posso ouvir isso!

Obediente anui, mas continuei a cantar...só que em silêncio.


FOGO E PAIXÃO
Wando

Você é luz,
É raio estrela e luar,
Manhã de sol,
Meu iaiá, meu ioiô

Você é sim,
E nunca meu não,
Quando tão louca me beija na boca e me ama no chão

Você é luz,
É raio estrela e luar,
Manhã de sol,
Meu iaiá, meu ioiô
Você é sim,
E nunca meu não,
Quando tão louca me beija na boca e me ama no chão

Me suja de carmim,
Me põe na boca o mel,
Louca de amor / me chama de céu, oh oh oh !

E quando sai de mim,
Leva meu coração,
Você é fogo, eu sou paixão.....



Para ver a luz, clique aqui.


Liberdade

Subiu ao cimo do farol. A manhã estava linda de morrer.
Apoiou as mãos no resguardo do varandim e inclinou-se perigosamente para a frente, como quem procura a mais íntima comunhão com a beleza da paisagem daquele dia.
O sol subia seguro no horizonte, beijando-lhe os olhos, iluminando o mar e conferindo-lhe reflexos de um brilho invulgar.

Elevou os pés e inspirou profundamente, procurando absorver o máximo daquela manhã e sentiu todo aquele mar encher-lhe o coração.

A sensação de liberdade, segurança e conforto que lhe proporcionava subjugou de forma avassaladora o seu pensamento e levou-o a inclinar-se mais um pouco. Sentiu-se invadido pela adrenalina do perigo que lhe proporcionava uma corrente de sentimentos difíceis de explicar.

Sentiu-se livre, livre como aquele mar que tão profundamente desejava.
Ser livre para viajar, percorrer os leitos dos rios e mares, acariciar os peixes, beijar as pedras e escarpas e por fim repousar nas alvas areia das mais belas praias.

Elevou o olhar para uma gaivota que alheia aos seus desejos de liberdade, voava, voava livre, livre de fronteiras e de outros limites que não a sua força e a vontade de ir mais longe, sem restrições, mas com um rumo bem definido.

De repente voltou à posição original, endireitou o corpo. Suportou o peso nos calcanhares que voltaram a sentir terra firme ao tocarem a plataforma e subitamente, como alguém que é expulso do paraíso e devolvido à realidade reflectiu sobre a liberdade.

Concluiu que esta é simplesmente mais uma forma de prisão, é estar preso...a nada.


15 de junho de 2004

O Passeio

Acordava pontualmente, sempre há hora marcada. Era assim há anos, nunca se atrasava. Depois de um despertar incompreensivelmente veloz, preparava a caminhada.
Olhou pelo espesso vidro da janela, tipo fundo de garrafa. Era noite. Estava húmido, tudo graças a um denso nevoeiro, que a impedia de ver com nitidez o caminho.
Pensou:
- Decididamente, aquela era uma noite esplêndida para um longo passeio.

Num relâmpago lançou um último olhar sobre ela. Achou que estava cheia de esplendor e brilho. Sem pestanejar atravessou o grosso vidro da janela como se ele nem lá estivesse.

Lá fora observou como pessoas apressadas corriam em direcção aos seus pequenos refúgios. Lembrou-se então que desde sempre fora assim, a sua faina começava quando os outros paravam para o merecido descanso diário. Tinha há tanto tempo a sua rotina trocada, que às vezes até se esquecia que era o seu sono que estava trocado.
Desviou o olhar para o horizonte e concentrou-se no seu passeio.

- Para onde iria essa noite? Com que rostos se cruzaria?

Nesse momento reparou como o doce e ténue reflexo da lua teimava em atravessar a névoa, para lhe iluminar o caminho. Se demoras, piscou-lhe um olho e murmurou algo inaudível que a lua pareceu entender, afinal eram como irmãs.

Assim foi caminhando de forma segura e sem sobressaltos por entre as moléculas de água do nevoeiro, deixando à sua passagem um rasto de reflexos de mil e uma cores.
Por vezes tinha sensação de estar perdida. Sentia que andava às voltas e por mais que se esforçasse por encontrar um rumo que a conduzisse a um porto seguro, acabava sempre no ponto de partida, mas a falta de referências impediam-na de ter uma certeza absoluta.

Subitamente constatou que era quase dia. Sentia-se cansada, por mais voltas que desse, pressentia que não iria conseguir fugir daquele labirinto. Apeteceu-lhe desistir, mas procurou dentro de si a força necessária para continuar, até que, num instante sentiu uma força indescritível puxa-la do interior da janela. Já com poucas forças, percebeu que seria inglória qualquer tentativa de resistência e decidiu abandonar-se à mercê de tão grande poder.

Foi assim que num piscar de olhos se viu voltar a entrar pelo grosso vidro da janela até ficar completamente presa à escuridão, que contrastava com a luz do dia que despontava.
Compreendeu então que a sua missão por essa noite tinha terminado.

Com um simples gesto o Faroleiro tinha cortado a energia que alimentava o seu brilho. Poderia assim descansar até à noite seguinte, em que, pontualmente, ele viria novamente...acender a Luz do Farol.


Nunca Percas a Esperança

Ao abrir o correio do Farol, fui surpreendido com esta bonita Luzinha que alguém lá tinha deixado. Decidi baptiza-la de "Nunca Percas a Esperança", espero que o autor não se importe.
---------

Era uma vez uma gaivota. Tinha-se perdido do grupo e vagueava há muitos dias no mar alto, sem rumo.
As forças começavam a faltar-lhe, já não iria aguentar muito tempo a planar, pousando apenas ao de leve nas águas para tomar o fôlego mas sendo obrigada de seguida a subir, a voar, voar sempre.
Eram águas onde não encontrava alimento para ela. Tinha de ser um tipo certo de peixe, que vivia noutros mares que não aquele...

E a gaivota estava cada vez mais fraca.
-Mas não desistirei!, pensava ela no seu cérebro pequenino de gaivota.
-Hei-de voar, até que não sobre a mínima réstea de força, de esperança. Até que as asas me pesem como chumbo e me levem até abaixo, ao mar que tanto amo, para não mais me conseguir levantar. Flutuarei até poder. E quando o último suspiro se soltar, e a última força me abandonar, aí sim, mergulho. Até ao fundo.

Enquanto estava nestes pensamentos, a gaivota pensou, ao longe, ter visto algo.
Uma claridade ténue, como a luz leitosa da lua. Ou da neve. Piscou os olhos, julgando estar já com alucinações, de tanto cansaço, mas não. Não eram. Lá estava ela, mais clara, a luz. Apagava e acendia. Girava lentamente como que a chamá-la.
A gaivota encheu-se de coragem, rebuscou as últimas forças de todas, abriu muito as asas e, num impulso, voou em direcção à luz.

Quase a lá chegar, viu do que se tratava. Um farol. No meio do mar...
Deixou-se tombar docemente na falésia escarpada onde este assentava a sua base, e descansou.

Tinha encontrado um porto seguro. No dia seguinte encontraria alimento e, quem sabe, o grupo, os seus amigos que viriam à hora de regresso dos pescadores, vindos do mar alto, trazendo da faina, os peixes certos.
Estava salva.


13 de junho de 2004

Um Momento de Luz

Tinha-o conquistado com meia dúzia de palavras. A sua leitura de uma imagem aparentemente igual a tantas outras, fora suficiente.
Nem sabia se alguma vez ela tinha dado conta que aquele instante representara um marco determinante no seu relacionamento.
Afinal, é necessário tão pouca Luz para compreender o que verdadeiramente desejamos.


11 de junho de 2004

Nunca Percas a Esperança

Ao abrir o correio do Farol, fui surpreendido com esta bonita Luzinha que alguém lá tinha deixado. Decidi baptiza-la de "Nunca Percas a Esperança", espero que o autor não se importe.
---------

Era uma vez uma gaivota. Tinha-se perdido do grupo e vagueava há muitos dias no mar alto, sem rumo.
As forças começavam a faltar-lhe, já não iria aguentar muito tempo a planar, pousando apenas ao de leve nas águas para tomar o fôlego mas sendo obrigada de seguida a subir, a voar, voar sempre.
Eram águas onde não encontrava alimento para ela. Tinha de ser um tipo certo de peixe, que vivia noutros mares que não aquele...

E a gaivota estava cada vez mais fraca.
-Mas não desistirei!, pensava ela no seu cérebro pequenino de gaivota.
-Hei-de voar, até que não sobre a mínima réstea de força, de esperança. Até que as asas me pesem como chumbo e me levem até abaixo, ao mar que tanto amo, para não mais me conseguir levantar. Flutuarei até poder. E quando o último suspiro se soltar, e a última força me abandonar, aí sim, mergulho. Até ao fundo.

Enquanto estava nestes pensamentos, a gaivota pensou, ao longe, ter visto algo.
Uma claridade ténue, como a luz leitosa da lua. Ou da neve. Piscou os olhos, julgando estar já com alucinações, de tanto cansaço, mas não. Não eram. Lá estava ela, mais clara, a luz. Apagava e acendia. Girava lentamente como que a chamá-la.
A gaivota encheu-se de coragem, rebuscou as últimas forças de todas, abriu muito as asas e, num impulso, voou em direcção à luz.

Quase a lá chegar, viu do que se tratava. Um farol. No meio do mar...
Deixou-se tombar docemente na falésia escarpada onde este assentava a sua base, e descansou.

Tinha encontrado um porto seguro. No dia seguinte encontraria alimento e, quem sabe, o grupo, os seus amigos que viriam à hora de regresso dos pescadores, vindos do mar alto, trazendo da faina, os peixes certos.
Estava salva.


8 de junho de 2004

Tudo passa...

Como uma Onda
(Lulu Santos)

Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia.
Tudo passa,
Tudo sempre passará.
A vida vem em ondas
Como um mar,
Num indo e vindo infinito.

Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente viu a um segundo,
Tudo muda o tempo todo
No mundo.

Não adianta fugir
Nem mentir pra si mesmo, agora,
Há tanta vida lá fora,
Aqui dentro, sempre,
Como uma onda no mar.

Como a luz, também a vida passa e se desvanece no horizonte, tão fugazmente para todos aqueles que não a sabem acompanhar.


As novas aldeias

Ontem "obrigaram-me" a reflectir sobre as comunidades virtuais. Não deixa de ser um fenómeno curioso este das comunidades virtuais, sejam elas suportadas por blogues, chats, news etc. Mais estranho ainda, para quem o observa do exterior de uma janela com uma visão de sentido único.
É complicado compreender que pessoas, que não se conhecem, se comportem como os habitantes das tradicionais e já escassas aldeias portuguesas, onde todos os habitantes se conhecem pelo nome e um simples "Bom dia" ou "Boa tarde" (que os habitantes destas novas aldeias chamam "posts") é suficiente para lançar um olhar sobre o que se sente, e tantas vezes se cala.
Descobri também o quanto é espinhosa a empreitada de tentar lançar alguma Luz sobre esta "Estranha Forma de Vida", para a compreensão destas relações tão virtualmente reais, no fundo, tão ou mais reais que aquelas que promovemos diariamente com as pessoas com quem falamos face a face e tantas vezes não conhecemos nem compreendemos.

Parece-me que vou ter de aumentar a potência do Farol...


7 de junho de 2004

Aviso à navegação

Esta é, talvez, a primeira de muita vezes que o farol vai acender e propagar a sua luz pelo horizonte, tocando quem quiser ser tocado.
É desejo deste faroleiro que muitos sejam os olhos que esta luz toque. Não é que me preocupe com as estatísticas, nem tão pouco é meu desejo atingir os tops da blogosfera, não!
Este farol existe porque, quando uma luz nos toca e nos invade, temos de encontrar uma forma de a deixar sair, de a partilhar com os outros, senão corremos dois riscos: o de cegarmos com tanta luz, ou o de nos tornarmos uma estrela, cegando aqueles que de nós se aproximam.
Desenganem-se aqueles navegantes que pensam que a luz do farol vai brilhar todos os dias, pois não vai.
O farol acenderá sempre que o faroleiro o entender ou alguém pedir para que ele acenda, nunca pela obrigação de cumprir uma qualquer rotina oprimente emanada de calendário tirânico.
Este é um farol cuja luz se alimenta de paixão e não de obrigação.


A Primeira Luz

Estamos a carregar as baterias.
A primeira luz surgirá no horizonte brevemente.


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