Fora sem dúvida um momento único e irrepetível, aquele em que tinha visto a sereia. Já tinha ouvido contar muitas histórias sobre elas, principalmente a velhos marinheiros, mas ver uma...
Deu consigo a perguntar-se porque motivo tinha sido ele o escolhido. Na verdade não sabia bem se tinha sido ela que tinha escolhido estar naquele local naquele momento para ele a ver, ou se teria um capricho do acaso. Em qualquer dos casos não interessava, o que era importante é que a tinha visto.
Tal como o previsto o dia seguinte foi um dia lindo. Não poderia dizer com certeza, que fora o mais lindo da sua vida, talvez esse fosse mesmo o do seu nascimento, pois sem esse momento também único, nunca poderia ter-se deliciado com a visão daquela sereia de cabelo ondulados que sentada sobre a rocha olhou para ele.
Ao cair da tarde voltou a subir ao alto do farol, desta vez, já com os binóculos na mão. Voltou o olhar em direcção ao local onde a tinha avistado na última tarde, mas nada. Também a maré não tinha ajudado. Não tinha descido o suficiente para deixar à vista a rocha e o areal era incomparavelmente mais pequeno naquela tarde. Durante longas semanas, repetiu pontualmente a sua peregrinação ao cimo do farol em busca da sua sereia. Cada dia que passava sentia-se mais cansado e aumentava a sua resignação: ela tinha partido!
Numa tarde de Outono, daquelas em que o mar se agita como uma bandeira ao sabor do vento, decidiu, enquanto subia as escadas que aquela seria a sua última peregrinação, em busca da sua sereia. A tarde estava fria, nuvens pintadas de um cinzento muito carregado ameaçavam despenhar-se sobre a forma de chuva a qualquer momento. Ao chegar a cimo do farol, apertou o fecho da camisola de lã até esta lhe cobrir o pescoço e deu a volta ao varandim como de costume, mas ao chegar ao ponto em que o areal se tornaria visível, fechou os olhos. Simplesmente não queria ver, sabia que ela não estaria lá, até porque, a maré estava alta e não havia areal à vista. Dos seus olhos fechados caíram duas luzinhas que foram diluir-se furiosamente resignadas na água do mar.
Naquele momento uma cabeça emergiu da água, como que respondendo a um apelo. Tinham sido aquelas duas lágrimas que a tinham invocado. Olhou com os seus olhos azuis para o alto do farol e como se contivessem uma luz iluminaram o faroleiro que imediatamente abriu os seus e se debruçou sobre a protecção da plataforma.
Elevando-se graciosamente na água sorrindo, ela disse-lhe:
- Faroleiro, tu viste-me porque era essa a minha vontade. Agora desce.
Assim fez. Galgou as escadas, em caracol, do farol numa velocidade estonteante, de tal modo que, quando atingiu o fundo teve de se apoiar na parede, pois sentiu o chão fugir-lhe debaixo dos pés. Recompôs-se com a mesma velocidade com que tinha descido a escadaria e correu porta fora em direcção ao mar. Saltou por cima das enormes rochas que protegiam o farol da fúria das ondas. Uma onda mais caprichosa atingiu-o em cheio, deixando-o todo encharcado, mas não recuou nem um milímetro. Ao atingir o seu limite olhou o mar mas não a viu. Cansado sentou-se na rocha e pensou que afinal tudo não tinha passado de uma ilusão.
Eis senão quando do mar, junto à sua rocha, ela emerge aproxima-se dele e dá-lhe um beijo, voltando a imergir de seguida. Ficou paralisado, mas quando voltou a si pensou que mais uma vez tinha sonhado. Estava confuso. Sentiu algo na sua mão direita que permanecia fechada, Não lembrava de ter algo na mão. Abriu-a e espantado viu que continha as duas lágrimas que derramara sobre o mar, encerravas em dois cristais transparentes. Nesse momento compreendeu que para um sonho era tudo muito real.
A água fria acariciava-lhe a pele, enquanto pensava para si mesmo, que quando fosse mais velho poderia contar, como todos aqueles velhos marinheiros, que uma vez tinha visto um daqueles seres mágicos a que chamamos sereias e como ela o tinha beijado. Claro que ninguém acreditaria na sua história, tal como ninguém acredita nas daqueles velhos marinheiros.
Mas que lhe interessava isso, ele sabia que a sua história era verdadeira e isso bastava-lhe.